XXVIII

1 0 0
                                    

Gavril prometera aos wyverns que não os chamaria de novo, que os deixaria livres para viver suas vidas. Contudo, as imensas feras voadoras não tinham o mesmo pensamento. Continuaram voando próximos à Pomena, o que se provou útil para viagem que o espadachim precisava empreender.

Atravessariam as planícies de Ferro e Sal com muito mais velocidade montados nos répteis, cansariam menos e poderiam surpreender o Feiticeiro com uma visita não esperada.

Descontando eventuais paradas para alimentação dos Wyverns, que a clériga preferia não tomar partido ou ao menos ver, e um ataque de centopeias gigantes durante uma das noites em que o grupo descansou, a viagem seguira sem nenhum estresse até se aproximarem do Lago de Cristal. Com o nível de poder que apresentavam, poucas ameaças convencionais poderiam de fato trazer algum perigo.

Os quilômetros finais que os separavam do vilarejo onde encontrariam o inimigo, adicionaram peso extra à tarefa que, por si só, já era complicada o bastante. Como viajantes, conheciam os mais diversos assentamentos existentes nas planícies de Ferro e Sal, na região onde as duas planícies se cruzavam. Dos quatro vilarejos que deveriam poder parar e descansar, três haviam sido tomados pelo viscoso líquido escuro que brotava dos corpos dos Nyax. Os três estavam vazios, ou pelo menos era o que parecia olhando do alto, mas as casas eram recobertas por mecanismos metálicos, correias, correntes, tubos e máquinas que perfuravam o solo repetidas vezes.

Uma nuvem de fumaça escura impediu que prosseguissem viagem, forçando os wyverns de volta ao solo para recuperar visibilidade. A nuvem escura não parecia com a causada por fogueiras e dificultava a respiração. Sem dúvida algum tipo de magia para camuflagem e que, quando absorvida, causava males variados.

– Preciso de água, Gavril. Meus olhos estão ardendo, meu peito está doendo, está difícil respirar. – gritava Flayfh.

– Só pode ser a magia do Feiticeiro Azulado, ele contaminou a região ao redor do vilarejo do Lago de Cristal para impedir a nossa aproximação.Existe um rio por aqui, vamos até lá.

Os dois tossiam e lacrimejavam, tinham dificuldades de respirar e de enxergar. Os wyverns eram afetados, contudo com menos intensidade, e apenas o esforço dos animais em voar sob aquelas condições tornou possível que atingissem o riacho.

A região do rio era menos esfumaçada, porém ao longe a nuvem negra tomava grande parte do centro das planícies de Essle. Como uma grande tempestade, repleta de nuvens pesadas, escurecia a região.

– Que tipo de magia será essa? – perguntou Flayfh, após bebericar goles de água e lavar os olhos. – Nunca vi nada parecido.

– Não sei. – respondeu o espadachim. – Mas o que me deixa mais preocupado é não poder enxergar nenhum vento mágico dentro daquela nuvem.

Compreendendo a expressão de sua companheira, que franzia o cenho e manifestava sua surpresa incrédula, Gavril continuou, após lavar o rosto com a água cristalina.

– Nasci com os olhos de mago, Flayfh. Quando eu era pequeno, em um vilarejo do norte, meus pais achavam que eu seria um mago para cuidar deles e da região. Afinal, eu era pequeno e magro demais para ser qualquer outra coisa.

O guerreiro sacou a espada que obtivera em Pomena e correu o dedo sobe o fio, verificando o quão afiada era e suspirando em desapontamento.

– Como podemos ver, a história provou que todos estavam enganados. E cá estou eu, um espadachim de Benvähn.

– Não poderia imaginar que você tinha olhos de mago. – disse ela, terminando de lavar os olhos. – Existe algo que você não faça?

– Muitas coisas. – respondeu ele. – Mas o que quero dizer é que nessa região deveria abundar ventos mágicos, sobretudo após o Sol-da-meia-noite de cinco anos atrás. Existe mais magia fluindo no mundo e aqui não vejo nada.

Os wyverns começaram a ficar inquietos e rosnar, chamando a atenção de Gavril e em seguida de Flayfh. A clériga ajeitou sua postura e ergueu sua maça, posicionando-se de frente para o que estava por vir.

– Parece que estamos prestes a descobrir o que o Feiticeiro está aprontando na região. – disse ela, carregando um sorriso de excitação estampado em sua face.

Quatro homens de pele cinzenta, cabeças raspadas e correntes presas aos corpos avançavam a passos largos em direção ao riacho. Conforme se aproximavam era possível notar detalhes como correntes presas aos braços, placas de metal no crânio e no peitoral. Não como armaduras, mas substituindo a pele.

O choque da visão foi rapidamente superado, ao notarem do que os inimigos eram capazes. Com um movimento da corrente que trazia em seu braço, uma das criaturas lançou uma bola de ferro com espinhos, atingindo a cabeça do wyvern que transportara Flayfh nos últimos dias. O golpe fora certeiro e preciso e o animal tombou morto logo após sem ao menos reagir.

Gavril começara a se afeiçoar pelos animais. Eram leais e jamais se recusavam a servi-lo, não importando o quão extenuante fosse a tarefa. O espadachim se ajoelhou junto ao focinho do wyvern vitimado, acariciando a criatura com sua mão livre.

Os inimigos não permitiram o momento de pesar e investiram contra o wyvern restante, contra a clériga e contra Gavril, que agora cientes do poder dos adversários, reagiram à altura. O wyvern bateu as asas e se lançou aos céus, Flayfh benzeu sua maça e a chocou contra a arma dos inimigos que tentaram acertá-la.

Um dos servos do feiticeiro disparou sua corrente contra Gavril, atingindo o braço do espadachim e enroscando a arma no membro do guerreiro.

A batalha desenrolava e o Wyvern desceu dos céus, abocanhando a cabeça do inimigo que tentara atingi-lo e mastigando o crânio sem dificuldades. O animal então cuspiu a parte metálica e virou-se para aquele que atacava Gavril.

A clériga percebeu quando a corrente enroscada no braço esquerdo do espadachim começara a arder em brasa, o gramado em um raio de trezentos metros também apresentava pequenos focos de fogo, espalhados, porém todos originados dos pés de Gavril.

- Flayfh, suba no wyvern! – gritou o espadachim. – Rápido!

Com um espasmo violento de seu corpo, Gavril arremessou o inimigo que o acorrentava contra os dois restantes, amontoando os três um sobre o outro. As ânsias de vômito começaram, os olhos mudaram de cor e a clériga teve a nítida impressão de enxergar escamas avermelhadas no espadachim.

Atordoados, os guerreiros buscavam se levantar e perceberam espantados que os seus corpos escorriam o líquido enegrecido produzido pelos Nyax. Gavril abriu sua boca e deixou toda a queimação acumulada ser expelida em uma rajada flamejante, cônica e avermelhada, que ao entrar em contato com o viscoso líquido gotejante causou uma explosão devastadora e sonora. O clarão podia ser enxergado à grande distância. A magia natural do corpo do espadachim reagia de uma maneira devastadora com o sangue das criaturas.

Flayfh desceu dos céus e pousou o wyvern ao lado de seu companheiro. O espadachim estava caído de joelhos, com a boca queimada e arfando. Sangrava pelo nariz e respirava com dificuldades. A magia de sopro de fogo consumia muito de suas capacidades físicas.

A clériga ofereceu alguns frutos encantados que trazia consigo, capazes de suprir a necessidade mágica do corpo, e gentilmente correu a mão sobre o emaranhado de fios que era o cabelo do espadachim.

Encarando o rastro de devastação causado pela habilidade natural do espadachim, ficou claro que tinham ali uma arma para usar contra as tropas do Feiticeiro.

Espada e Dever  - Um livro no Mundo de ThystiumOnde as histórias ganham vida. Descobre agora