XII

37 8 10
                                    

Gavril urinava em um rio próximo quando notou a aproximação de criaturas que exalavam um cheiro característico, ao qual o guerreiro estava começando a reconhecer. Terminou o que havia começado, sem deixar transparecer nenhuma emoção pela aproximação dos inimigos. Sua espada sempre se encontrava ao alcance da mão, mas o espadachim havia deixado a clériga em prece, por isso não havia como saber se ela estaria preparada para o ataque dos monstros que apoiavam-se na vantagem numérica e na invisibilidade.

Com um salto, embalado por sua habilidade natural de voo, o espadachim desceu sobre o teto de madeira da construção, arrebentando a parte superior da construção e arrancando Flayfh de sua meditação com o estrondo que causara. Lascas voaram por toda parte e a clériga buscou sua maça para proteger-se do ataque em curso, assustada, mas sem perder a compostura.

Um grupo de oito criaturas camaleônicas já encontrava-se no ambiente, prestes a atacarem. A entrada furiosa do espadachim, assustou os adversários e os forçou a sair de seu disfarce invisível, revelando a real forma das criaturas: humanóides com cerca de setenta centímetros, curvados e com a feição de roedores deformados. Cada um deles salivava a gotícula negra que Gavril coletara anos atrás.

- É fácil encontrar vocês dois. - salivou um dos roedores. - A mancha em vocês e a espada que carregam avisam sua posição.

- Calada, criatura. - berrou Flayfh. - E estejam prontos para sentir a ira dos deuses.

Com um gesto rápido, a clériga espalhou pó de prata pelo chão e sussurrou palavras sagradas, cantadas desde eras antigas. O símbolo de dez pontas se formou sobre seus pés e, no mesmo instante o portal por onde as criaturas adentravam no mundo se fechou. Percebendo a deixa, que desestabilizou as criaturas momentaneamente, o guerreiro de olhos dourados avançou sobre os inimigos com precisão e de forma letal. Os giros e ataques jamais atingiam o mesmo oponente duas vezes, apenas um corte, desta vez para matar. De certo modo, os espadachins de Benvähn eram minimalistas. E seus golpes eram carregados de um senso estético e refinado que em nada reduzia a devastação de que eram capazes de causar com suas lâminas. Em poucos segundos quase todos os adversários haviam sido reduzidos a carcaças sem vida. Apenas um deles fora poupado, mas com um ferimento que o impedia de correr ou permanecer de pé. Um corte que rompera os ligamentos de suas duas patas traseiras, fazendo com que a criatura mal conseguisse ficar de pé.

A clériga se aproximou do inimigo caído, ainda impressionada com a eficiência do espadachim em batalha. Podia sentir a magia que abandonava cada um daqueles corpos, escapando junto com os últimos suspiros. Gavril não tinha ao menos derramado uma gota de suor, na verdade, não parecia haver se esforçado em nada.

- Essa é a parte que você começa a falar. - disse Flayfh, batendo a maça contra a mão esquerda. - Onde está o feiticeiro que lidera vocês?

- Por que eu diria para você, humana? Vocês não precisam ir atrás dele. Ele virá buscar vocês dois. Suas marcas, não são coincidências. Seus corpos serão nossos em breve.

- Do que está falando, cara de rato? - Gavril aproximou-se do Nyax e o encarou dentro dos olhos. - Não tenho a paciência dela e não vou perguntar suas vezes.

A conversa foi interrompida pela vibração da bolsa da clériga. A espada curta que ela trazia embrulhada parecia se esforçar para escapar da bainha. O Nyax utilizou suas últimas energias para conjurar sua invisibilidade, porém, sem sucesso, acabou perecendo na tentativa ao esgotar sua energia vital.

- Parece que você precisa compartilhar um pouco do que sabe, Flayfh. Tenho perguntas e estou certo de que posso encontrar respostas com você.

A espada não parava de vibrar e tamanha era a intensidade que o casebre parecia ressoar e começava a trepidar. A clériga caminhou até sua bolsa e segurou a espada com firmeza, sem removê-la da bainha. Gavril a acompanhou com o olhar e manteve a posição do final da batalha, espada ainda em punho.

- Pois bem, Gavril. - Flayfh suspirou. - O que deseja saber?

- No outro vilarejo, a criatura disse que os elfos eram responsáveis. Pelo o quê, exatamente?

Os tremores haviam parado.

- Bem, faz muitos anos. - começou ela de maneira reticente. - Quando os primeiros humanos livres ainda começavam a se reunir, os elfos já lutavam contra os dragões de maneira organizada fazia séculos. Porém, era uma batalha que não podiam vencer. Então começaram a buscar formas de aumentar suas capacidades em batalha, para se equiparar aos dragões e aos seus filhos e com isso descobriram os milhares de mundos que rodeiam Thystium.

Os dois deixaram o casebre e procuravam outros inimigos do lado de fora, como não havia ninguém à espreita, então a clériga continuou e os dois seguiram caminhando pela Planície de Ferro e Sal.

- Um dos mundos alcançados pela magia das Xamãs que lideram a matriarcal sociedade élfica, era o lar dos Nyax. As criaturas ensinaram truques aos elfos, também compartilharam segredos de construção de uma espada mágica capaz de ferir gravemente aos exércitos dos dragões. O clã Hehim a forjou, ignorando os conselhos dos outros clãs e a utilizou nas mais diversas batalhas, conseguindo grande sucesso e causando baixas aos dragões. - a clériga fez uma pausa e encarou os céus. - Aí é que a história começa a ficar nebulosa. De algum modo os elfos descobriram que quanto mais utilizam a espada, mais afrouxavam as barreiras que separavam os dois mundos. E além disso, os nyax desejavam a magia que fluía por Thystium para si. Por isso, os elfos decidiram lacrar a espada e nunca mais utilizá-la, e assim o fizeram.

- Como sabe de tanta coisa sobre isso, Flayfh? - perguntou o espadachim visivelmente espantado. - Você aparenta tão pouca idade...

- Essa arma despertou duas vezes nas últimas décadas. - disse ela. - Na penúltima, meu tio a selou. E na última fui eu. Perdi parte da minha alma no processo, o que de certa forma quer dizer que não vou me tornar uma estrela ao morrer. Quando eu me for, acabou.

Gavril digeriu o peso daquela informação dada pela clériga. Para um devoto dos deuses saber que ao morrer seu espírito não estaria junto de suas divindades deveria ser de uma dor excruciante.

- E depois que a selou, ela despertou mais uma vez?

- Infelizmente sim. - respondeu ela cabisbaixa. - A magia dos elfos não é mais capaz de manter a espada adormecida e os meus poderes não são grandes o bastante para lacrá-la por muito tempo. Além disso, todas as tentativas de destruí-la mostraram-se desastrosas.

- Vou dizer algo que vai parecer estúpido, mas acho que é o melhor plano que temos até agora. - disse o espadachim erguendo o punho da mão direita cerrado. - Vamos utilizar a espada até abrir o portal. Quando acontecer, vou ao mundo deles e corto o mal pela raiz. Destruo o líder. Faz tempos que eles estão na minha lista por tudo de ruim que já fizeram.

- Sua inocência é chocante, Gavril! - disse ela com um sorriso incrédulo - Você não faz ideia do quão poderosos eles são.

- Então vamos descobrir, não é como se tivéssemos escolha.

Espada e Dever  - Um livro no Mundo de ThystiumWhere stories live. Discover now