O vilarejo do Lago de Cristal não era o mesmo. Isso já era o esperado, por tudo que havia presenciado nas planícies. Não imaginavam nem por um momento encontrar o cenário que se apresentava.
A paisagem simples e esverdeada do local fora substituída por torres metálicas e cinzentas, monstros metálicos escavavam o solo e cuspiam fumaça escura em direção aos céus. Os moradores locais trabalhavam sob o olhar atento de guerreiros cinzentos que, armados com lâminas serrilhadas e placas metálicas substituindo pedaços do próprio corpo, observavam a atividade do local.
Não havia Nyax no local, pelo menos não ao alcance dos olhos. Todavia, a visão era prejudicada pela espessa e escura fumaça do local.
– Você volta daqui, amigão. – disse Gavril, batendo três vezes no pescoço do Wyvern. – É perigoso até para um monstro que nem você, não sei o que nos espera por lá.
O animal grunhiu e bufou em desagrado. A relação dos dois, forjada em tão pouco tempo e em meio à exaustivas viagens, era admirável. Uma criatura sanguinária e selvagem, um espadachim frio e solitário. Companheiros improváveis, hoje se preocupando um com o outro.
– O lugar é patrulhado, Gavril. – disse a clériga. – Entrando, chamaremos a atenção diretamente para nós, se o feiticeiro perceber que viemos por ele, pode até mesmo fugir.
– Ele confia na imortalidade, não fugiria. – respondeu o guerreiro. – E ele quer a espada.
Gavril tentava enxotar o Wyvern para que terminassem a preparação do ataque. Empurrava a criatura pelo pescoço, empurrava o dorso do animal, mas era impossível demovê-lo de sua posição.
– Você não vai embora, não é? – perguntou o espadachim. – Não me encara com essa cara feia, eu não quero que você morra. Entende isso?
– Devemos utilizá-lo em nosso plano. – Flayfh aproximou-se dos dois e acariciou o pescoço da fera. – Ele quer ajudar. O outro que morreu devia ser amigo dele ou algo próximo.
– Filhote, pelo que eu entendi. – respondeu Gavril contendo as lágrimas e mordendo os lábios. – Deve ser horrível perder um.
Alguns segundos de silêncio foram o bastante para perceberem como o vilarejo era barulhento, mesmo à grande distância. Os monstros metálicos, repletos de braços e garras, rasgavam o solo e produziam um ruído que lembrava um poderoso zumbido.
O chão tremia conforme os enormes braços chafurdavam o solo e faziam brotar o mesmo líquido enegrecido que era salivado pelos Nyax. Camponeses escravizados recolhiam a substância em pesados tonéis, necessitando de cinco homens para movê-los através do vilarejo.
Pela distância que se encontravam da entrada do esfumaçado vilarejo, poderiam ser notados pelos guardas locais, caso os mesmos não estivessem focados exclusivamente em patrulhar o trabalho dos aldeões.
– Só precisamos de um golpe com a estaca mágica para derrotar o Feiticeiro, não é?- perguntou o espadachim, que continuou antes mesmo de obter resposta. – Ele precisa dar as caras, para então acabarmos de vez com ele.
– Onde quer chegar, Gavril? – perguntou em tom de briga, costumeiro seu. Ela era irritadiça.
O espadachim encarava os céus, como a estimar se a espessura das nuvens seria o bastante para a conclusão de seu plano.
– Já aprendi a lição, Flayfh. – Gavril sorria sem olhar para a clériga.Satisfeito por ter uma companhia como a dela, simplesmente feliz por tê-la ao seu lado. – Você não é uma donzela indefesa.
A clériga sorriu e ele continuou.
– Você irá voar acima das nuvens com esse leal wyvern aqui. Eu vou invadir o vilarejo e atacar com tudo que tenho, até que eu consiga atrair o feiticeiro na minha direção.
– Pode parar. – disse ela com rispidez. – Isso é suicídio, as Estrelas não aprovam isso. Eu, como alguém que se importa contigo, não aprovo isso.
– Eu não vou morrer. – disse Gavril retomando a fala. – Somos só nós três contra sabe-se lá quantos inimigos. Se não tirarmos o feiticeiro da zona de conforto, ele não vai aparecer. Ele já sabe do que eu sou capaz, vou mostrar que sozinho posso dar muito trabalho.
– E aí? – perguntou ela. – Fico esperando você morrer, fujo no wyvern e vou buscar reforços?
– Você chove dos céus como a própria fúria da natureza e fulmina ele com a estaca dos dragões. Fim.
– Falando assim é muito simples. – disse a clériga.
– Os planos mais audaciosos podem ser simples. É só ter fé. – respondeu o espadachim com um sorriso cheio de confiança.
Flayfh não quis entrar em uma discussão filosófica sobre a natureza da fé naquele momento. Inspirou longamente e soltou todo o ar de seus pulmões de uma só vez. Deu às costas ao espadachim e montou no wyvern, o que estava se tornando recorrente.
Os três começaram a subir em uma velocidade crescente, buscando ficar acima das nuvens, longe do campo de visão dos adversários, o que não demandou muita altitude. A pesada cortina de fumaça não se distanciava muito do chão.
– Qual vai ser o sinal? – gritou a clériga.
Gavril repassava o plano em sua própria cabeça. Onde atacaria primeiro, quanto tempo até empregar sua baforada de chamas, quando a clériga deveria agir, como traria o Feiticeiro ao seu encontro.
– A espada gritadora. – respondeu ele. – Irei sacá-la e você virá na direção dela. O som dela vai te guiar.
– Você enlouqueceu de vez? – disse a clériga, lutando contra a ventania escura que soprava no local. – Ela não causa nenhum dano a eles. Só a você.
– Então é melhor você não demorar.
O espadachim mergulhou em um salto veloz rumo ao centro do vilarejo e desapareceu em meio à escuridão esfumaçada que pairava sobre o lugar.
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Espada e Dever - Um livro no Mundo de Thystium
FantasyThystium é um mundo que possui os mais diversos perigos. Os inimigos atacam nas montanhas, rios, planícies e florestas. Para fazer frente a essas ameaças, o mundo possui poderosos heróis, determinados em proteger quem não pode fazer isso por si próp...