XXIX

2 0 0
                                    

O vilarejo do Lago de Cristal não era o mesmo. Isso já era o esperado, por tudo que havia presenciado nas planícies. Não imaginavam nem por um momento encontrar o cenário que se apresentava.

A paisagem simples e esverdeada do local fora substituída por torres metálicas e cinzentas, monstros metálicos escavavam o solo e cuspiam fumaça escura em direção aos céus. Os moradores locais trabalhavam sob o olhar atento de guerreiros cinzentos que, armados com lâminas serrilhadas e placas metálicas substituindo pedaços do próprio corpo, observavam a atividade do local.

Não havia Nyax no local, pelo menos não ao alcance dos olhos. Todavia, a visão era prejudicada pela espessa e escura fumaça do local.

– Você volta daqui, amigão. – disse Gavril, batendo três vezes no pescoço do Wyvern. – É perigoso até para um monstro que nem você, não sei o que nos espera por lá.

O animal grunhiu e bufou em desagrado. A relação dos dois, forjada em tão pouco tempo e em meio à exaustivas viagens, era admirável. Uma criatura sanguinária e selvagem, um espadachim frio e solitário. Companheiros improváveis, hoje se preocupando um com o outro.

– O lugar é patrulhado, Gavril. – disse a clériga. – Entrando, chamaremos a atenção diretamente para nós, se o feiticeiro perceber que viemos por ele, pode até mesmo fugir.

– Ele confia na imortalidade, não fugiria. – respondeu o guerreiro. – E ele quer a espada.

Gavril tentava enxotar o Wyvern para que terminassem a preparação do ataque. Empurrava a criatura pelo pescoço, empurrava o dorso do animal, mas era impossível demovê-lo de sua posição.

– Você não vai embora, não é? – perguntou o espadachim. – Não me encara com essa cara feia, eu não quero que você morra. Entende isso?

– Devemos utilizá-lo em nosso plano. – Flayfh aproximou-se dos dois e acariciou o pescoço da fera. – Ele quer ajudar. O outro que morreu devia ser amigo dele ou algo próximo.

– Filhote, pelo que eu entendi. – respondeu Gavril contendo as lágrimas e mordendo os lábios. – Deve ser horrível perder um.

Alguns segundos de silêncio foram o bastante para perceberem como o vilarejo era barulhento, mesmo à grande distância. Os monstros metálicos, repletos de braços e garras, rasgavam o solo e produziam um ruído que lembrava um poderoso zumbido.

O chão tremia conforme os enormes braços chafurdavam o solo e faziam brotar o mesmo líquido enegrecido que era salivado pelos Nyax. Camponeses escravizados recolhiam a substância em pesados tonéis, necessitando de cinco homens para movê-los através do vilarejo.

Pela distância que se encontravam da entrada do esfumaçado vilarejo, poderiam ser notados pelos guardas locais, caso os mesmos não estivessem focados exclusivamente em patrulhar o trabalho dos aldeões.

– Só precisamos de um golpe com a estaca mágica para derrotar o Feiticeiro, não é?- perguntou o espadachim, que continuou antes mesmo de obter resposta. – Ele precisa dar as caras, para então acabarmos de vez com ele.

– Onde quer chegar, Gavril? – perguntou em tom de briga, costumeiro seu. Ela era irritadiça.

O espadachim encarava os céus, como a estimar se a espessura das nuvens seria o bastante para a conclusão de seu plano.

– Já aprendi a lição, Flayfh. – Gavril sorria sem olhar para a clériga.Satisfeito por ter uma companhia como a dela, simplesmente feliz por tê-la ao seu lado. – Você não é uma donzela indefesa.

A clériga sorriu e ele continuou.

– Você irá voar acima das nuvens com esse leal wyvern aqui. Eu vou invadir o vilarejo e atacar com tudo que tenho, até que eu consiga atrair o feiticeiro na minha direção.

– Pode parar. – disse ela com rispidez. – Isso é suicídio, as Estrelas não aprovam isso. Eu, como alguém que se importa contigo, não aprovo isso.

– Eu não vou morrer. – disse Gavril retomando a fala. – Somos só nós três contra sabe-se lá quantos inimigos. Se não tirarmos o feiticeiro da zona de conforto, ele não vai aparecer. Ele já sabe do que eu sou capaz, vou mostrar que sozinho posso dar muito trabalho.

– E aí? – perguntou ela. – Fico esperando você morrer, fujo no wyvern e vou buscar reforços?

– Você chove dos céus como a própria fúria da natureza e fulmina ele com a estaca dos dragões. Fim.

– Falando assim é muito simples. – disse a clériga.

– Os planos mais audaciosos podem ser simples. É só ter fé. – respondeu o espadachim com um sorriso cheio de confiança.

Flayfh não quis entrar em uma discussão filosófica sobre a natureza da fé naquele momento. Inspirou longamente e soltou todo o ar de seus pulmões de uma só vez. Deu às costas ao espadachim e montou no wyvern, o que estava se tornando recorrente.

Os três começaram a subir em uma velocidade crescente, buscando ficar acima das nuvens, longe do campo de visão dos adversários, o que não demandou muita altitude. A pesada cortina de fumaça não se distanciava muito do chão.

– Qual vai ser o sinal? – gritou a clériga.

Gavril repassava o plano em sua própria cabeça. Onde atacaria primeiro, quanto tempo até empregar sua baforada de chamas, quando a clériga deveria agir, como traria o Feiticeiro ao seu encontro.

– A espada gritadora. – respondeu ele. – Irei sacá-la e você virá na direção dela. O som dela vai te guiar.

– Você enlouqueceu de vez? – disse a clériga, lutando contra a ventania escura que soprava no local. – Ela não causa nenhum dano a eles. Só a você.

– Então é melhor você não demorar.

O espadachim mergulhou em um salto veloz rumo ao centro do vilarejo e desapareceu em meio à escuridão esfumaçada que pairava sobre o lugar.

���ܿ= 

Espada e Dever  - Um livro no Mundo de ThystiumWhere stories live. Discover now