XIX

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O cheiro de comida despertou o guerreiro de seu sono e ele levantou-se com um solavanco. Legumes cozidos em uma solução de ervas eram os seus favoritos.

Nenhuma parte de seu corpo estava livre de dores, braços e tronco recobertos de faixas eram as mais machucadas. A visão do olho esquerdo estava embaçada, mas ele sentiu feliz por poder ainda enxergar.

– Bem-vindo de volta, guerreiro. – disse Udur. – Você dormiu quatro dias inteiros, é muito até para os padrões de ressaca dos anões!

O clérigo deu uma gargalhada empolgada. Na sala onde Gavril repousava era servida a refeição. Flayfh trajava vestimentas do local, a bata similar ao vestido pela ave metálica, e observava a expressão acabada de seu companheiro de viagem.

– Temos coisas a conversar. – disse a clériga com o semblante sério. – Muitas, na verdade.

Flayfh trazia algo diferente em si. O brilho nos olhos, a postura, o tom de voz... Gavril não sabia exatamente o que, mas ela não era a mesma pessoa de dias atrás. Seja lá pelo que ela tenha passado, modificou algo.

– Você deu a eles uma batalha daquelas, hein? – disse Udur, ainda sorridente. – Tenho certeza que os monstros com cara de rato vão pensar cinco vezes antes de mexer com você de novo! E tudo isso sozinho, você é mesmo um exército de um homem só.

O espadachim esforçou-se para ficar sentado. Mesmo durante treinamentos, viagens e batalhas, nunca se sentira tão extenuado. Olhou ao redor e percebeu com satisfação que sua lâmina estava ao alcance da mão, odiava ficar longe dela. Sorriu de volta para Udur, notando que a espada gritadora repousava em uma das mesas de pedra.

– Você cumpriu sua palavra, clérigo. – Gavril sentiu sua mandíbula e peito doerem. Até falar causava incômodo. – Como viajou tão rápido até aqui?

– Os deuses ofereceram uma montaria. – respondeu ele cheio de modéstia, levando uma das mãos à cabeça e sorrindo. – Privilégios de servir aos céus.

Flayfh aproximou-se do guerreiro e segurava uma tigela de legumes fumegantes sem muito jeito.

– Coma. – disse ela. – Você precisa estar alimentado para enfrentar um inimigo que não pode morrer.

A clériga contou sobre a jornada que empreendeu através do mundo de ideias dormentes, habitado por deuses, zona de origem da criação mágica, onde os ventos coloridos sopravam de maneira abundante. Narrou as dificuldades de manter sua própria essência, lutando contra a natureza do local que insistia em distorcer todos os conceitos de realidade. Um mundo onde as ideias tomam forma, onde um pensamento é o bastante para transformar uma gota em um oceano. Um mundo inacessível e, para quase todos os seres viventes em muitos universos, um local praticamente inexistente. Contando com o auxílio da ave metálica manteve-se firme. Vagou por entre cidades que nunca existiram e vislumbrou planos e mundos se desdobrando ante o poder da magia bruta.

 E então, acessou registros da memória sobre o temido Feiticeiro Azulado, acolhido pelo mundo decadente e biotecnomágico dos Nyax. O manto era uma obra de magia dracônica, criada em Thystium, e era capaz de tornar seu usuário imortal. Sempre que aquele que o utilizava encarava a morte, alguma pessoa aleatória no mundo em que se encontrava morria em seu lugar.

Por motivos que a clériga nem seu mentor alado eram capazes de explicar, não havia registros precisos sobre a criação ou métodos para destruir o artefato. Mas Udur, após ouvir toda a história duas vezes, tinha um plano. Algo que somente alguém com profundos conhecimentos de lendas e dos caminhos mais obscuros trilhados pelos deuses em épocas passadas seria capaz de imaginar.

Espada e Dever  - Um livro no Mundo de ThystiumHikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin