XI

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– Então quer dizer que não temos para onde ir agora, é isso? – Gavril iniciava sua refeição matinal. Comia calmamente um punhado de frutas mágicas e pães preparados pelos elfos Hehim. Guardava para si comentários sobre o paladar daqueles que prepararam a comida, pois os mesmos pareciam desejar impressionar a cada mordida de algo simples como pão.

– Estou dizendo que não posso mais entrar em contato com as Estrelas. – respondeu ela impaciente. – Quebrei um dos votos utilizando uma arma cortante, preciso de uma penitência para agradar aos céus.

– Eu sou ignorante quanto aos assuntos da religião, só que não deixo de estranhar. Isso faz algum sentido para você? Você fez a coisa certa. Por que eles deveriam punir você? - O espadachim não fazia nenhum esforço para ser educado, falava de boca cheia e vez por outra cuspia farelos.

Flayfh o encarou de volta com uma expressão estupefata. Abriu os braços, revirou os olhos e esboçou alguma resposta, mas preferiu levantar-se e caminhar. Era verdade, estavam perdidos e não poderiam contar com a orientação dos Deuses. Isso a tirava ainda mais do sério, quase tanto quanto nunca haver entendido a proibição de utilizar armas cortantes que havia sob os servos dos Dez que São Um.

O céu apresentava tonalidades cinzentas e pássaros levantavam voo nas planícies, as reclamações das aves podiam ser ouvidas a longas distâncias. Nuvens carregadas adiantavam o que estava por vir. O que era preocupante, pois nas planícies poucos lugares que possam servir como abrigos estão desabitados. E mesmo os lugares desabitados têm motivos para permanecerem assim.

Os dois, experientes e acostumados a viagens, reuniram o que restava de forças, após uma longa caminhada que os levou para longe do vilarejo onde foram atacados e se puseram a andar mais uma vez. Dessa vez, Gavril indicava o caminho. Seu instinto dizia que encontrariam alguma proteção contra a tempestade que se aproximava, caso seguissem rumo ao sul. Sem parar, na maior velocidade que conseguissem imprimir.

E estava certo.

**

O dia seguinte, chuvoso e relampejante foi dado a reparos e descanso no casebre que encontraram abandonado na planície. Feito de madeira e pedras encontradas na região, a estrutura simples de apenas um cômodo era prático.  Caçadores de pele de animais pedregosos e algumas caravanas menores costumavam construir estes locais através das planícies, era uma forma de ajuda mútua em uma região onde praticamente tudo que se move deseja atacar você e comer suas tripas.

Os dois conferiram mapas, secaram as roupas e mais uma vez, pouco se falaram. Mal trocavam olhares. Apesar disso, o espadachim trazia perguntas para clériga. Iria apresentá-las em um momento oportuno, contudo.

– Eu não quis ofender mais cedo. – ponderou Gavril. – Nossa situação parece realmente pior do que quando nos conhecemos. Agora os inimigos também marcaram você.

O espadachim observava a mancha escura que crescia através da perna da clériga, passando da altura do abdômen, até o momento. Tentava não notar nas curvas no corpo de Flayfh, que estava pouco vestida devido ao estado encharcado de suas roupas. Por mais que tivessem corrido, acabaram sendo apanhados por uma tempestade de grandes proporções quando estavam próximos ao casebre que os abrigaria, ficando assim completamente molhados. E todo guerreiro em marcha sabe como botas molhadas abaixam a moral.

– Não ofendeu. – respondeu ela com a seriedade habitual – Já ouvi coisas piores sobre os deuses, mas não estou aqui para punir blasfemadores. Estamos aqui para acabar com esses malditos que estão à solta por aí, e aparentemente, só nós dois podemos fazer isso.

A clériga estendeu a mão direita e Gavril a cumprimentou com um firme chacoalhar. A chuva havia diminuído, mas os dois ainda não sabiam exatamente para onde ir. Ainda estava escuro do lado de fora, nas planícies, sobretudo nas regiões próximas a montanhas ferrosas, dias chuvosos tendem a ser carregados de nuvens pesadas, estendendo o breu da noite por várias horas.

A escuridão dificultava ainda mais o combate contra  inimigos que contavam com a invisibilidade como principal arma... Os Nyax, conhecidos por sua cara de rato, revelavam sua forma verdadeira quando atingidos por um golpe bem sucedido, mas sua habilidade de invisibilidade era mais poderosa em locais escuros. A planície encoberta por nuvens carregadas oferecia o ambiente ideal.

Espada e Dever  - Um livro no Mundo de ThystiumWhere stories live. Discover now