XVII

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A região sul de Thystium era praticamente inexplorada por humanos, elfos ou anões. Poucos vilarejos tentaram se estabelecer ali. Nunca soube exatamente o que aconteceu com os aldeões, mas seus corpos foram encontrados estraçalhados próximos às planícies de Ferro e Sal. Um verdadeiro aviso para quem quer que estivesse adentrando na região, algo como um ponto sem retorno.

O pedaço de terra que era adjacente ao vulcão era uma área de mata fechada, diversos bosques menores espalhados eram lar de criaturas variadas que só podiam ser encontradas de maneira nativa naquela região, como capivaras-de-trovão, sapos-demônios, porcos-venenosos e ursos-cuspidores-de-fogo. Muitos eram vistos em Pandianii ou Zyro, capturados por mercadores audaciosos o bastante para se aventurarem no temido Sul.

Após voar por cansativas quatro horas, Gavril sentia seu corpo começar a falhar. As funções básicas perdiam o controle, seu coração batia mais devagar, a respiração era rápida e curta, faltava ar. O espadachim havia consumido toda sua reserva de energia mágica, dali em diante só encontraria o silêncio e a escuridão que antecedem uma morte rápida, porém aterrorizante.Já conseguia avistar ao templo, mas não tinha mais forças para prosseguir. Sua cabeça começava a girar e os braços adormeciam. Mesmo usando de todo seu foco não conseguia evitar a perda de altitude e Flayfh começava a escorrer por entre seus braços. E então seus olhos fecharam.

Gavril despertou novamente com um leve tapa de Flayfh em seu rosto. Demorou alguns intantes até voltar a si, mas reconheceu a voz da clériga.

– Chegamos. – disse Flayfh. – Você precisa de ajuda, Gavril. Não havia muito o que eu pudesse fazer enquanto estávamos nos céus.

O guerreiro aproveitou a chegada e se recostou na superfície rochosa para descansar. Estava arfante, suava frio e sentia fraqueza dominando seu corpo. A clériga apanhou alguns frutos da árvore mais próxima e os benzeu com sua oração. Os suculentos frutos mudaram de cor e formato, agora possuindo a aparência das frutas mágicas que sustentavam diversos vilarejos.

O templo fora construído por mãos humanas alguns séculos atrás e se mantinha de pé por todos esses anos. Nada se mostrava capaz de abalar a estrutura e era difícil para exploradores que visitavam o local explicar como fora construído em formato piramidal. Não existia nenhuma outra construção como aquela. Grande parte dos templos dedicados ao Povo das Estrelas era edificado em locais altos para facilitar a observação e movimentação dos astros e propiciar maior entendimento e contato com os deuses. O templo no Sul não era exceção.

– Você me arrastou até aqui? - Gavril comeu algumas das frutinhas mágicas com grande apetite e sentiu suas forças voltarem lentamente.

– Claro, acha que não consigo carregar você? - Ela sorriu. Fazia dias que não tinha esse prazer.

– Essas frutinhas são realmente energéticas. - o espadachim enfiou o restante das frutinhas mágicas em sua boca. – Todo clérigo pode fazer isso?

– Não. É uma habilidade rara, desenvolvida conforme avançamos nos caminhos das Estrelas. Seria bom se todos pudessem fazer isso, teríamos menos sofrimento. Aprendi diretamente do meu tio, ele se orgulhava muito deste dom.

– Mas o sofrimento é indissociável da condição humana em qualquer mundo. – disse uma voz metálica, intrometendo-se na conversa. – É a única maneira de aprenderem.

O interlocutor era uma criatura vagamente humanoide, era da mesma altura de Gavril e seu traço mais marcante eram as características avícolas, bico e penas, ainda que as penas fossem todas feitas de um metal escuro. Vestia um traje composto de bata cinzenta e estola esverdeada com a estrela de dez pontas presente de forma centralizada.

– Permitam que eu me apresente. Meu nome é Galiomordianstro, zelo por esse templo faz três séculos. – disse a ave sem esboçar nenhuma emoção. – Em geral, estraçalho qualquer um que aproxime-se do templo, mas é a primeira vez que recebo um servo dos deuses em muitos, muitos anos.

Gavril e Flayfh trocaram olhares, parte surpresos, parte preocupados com a facilidade com a qual a criatura chegou tão próximo dos dois sem ser notada.

– Meu povo foi dizimado pelos dragões milênios atrás, sou o último sobrevivente de uma raça que jamais se esquece. – continuou. – Os deuses foram misericordiosos e encontraram uma função para mim. Minha memória eterna provou-se útil, afinal.

– Pois, bem. – disse a clériga. – Sou Flayfh Merien, serva do Povo das Estrelas e senhora do vilarejo de Pomena. Este bom homem comigo é Gavril, um honrado espadachim de Bënvahn. Fomos enviados para cá por um clérigo anão chamado Udur. Ele disse que teríamos respostas, suponho que elas venham de você.

– Exatamente. Udur é tido em alta conta pelos deuses, um dos grandes clérigos entre os anões das Montanhas Gêmeas. – respondeu a criatura com o som metalizado de sua voz e que parecia ecoar de dentro do corpo. – Venham, vamos ao templo. Temos muito o que fazer então.

Espada e Dever  - Um livro no Mundo de ThystiumWhere stories live. Discover now