Capítulo 17

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Maeve estava exausta. Toda a magia que precisou fazer em apenas uma noite havia deixado a fauna esgotada. Lara insistiu que dessem a noite por encerrada, preocupada com a esposa.

Maeve rechaçou a ideia, lembrando que prometera ajudar Will e Leon com os corpos na casa. Uma parte da mente de Onji se perguntava quem Will havia sido no passado para aparentar ter alguma experiência com aquilo, mas estava nauseada demais pra dar atenção a esses pensamentos.

Assim que Lara e Maeve anunciaram que já haviam falado suficiente por aquela noite, Onji pediu licença e a direção do banheiro mais próximo. Trancou a porta atrás de si, se apoiou na parede gelada e escorregou até o chão. Enfiou a cabeça entre os joelhos, hiperventilando.

Fazia anos que não sentia sintomas como aqueles. Já não tomava remédio havia muito tempo. Tentou se acalmar com exercícios de respiração. Se levantou, lavou o rosto e inspirou e expirou, apoiada na pia por vários minutos. Encarou o rosto no espelho apenas para fechar os olhos depressa. Tinha um corte longo na bochecha e salpicos de sangue no vestido inteiro.

Tentou deixar as palavras de Maeve trancadas num quartinho da mente. Não queria se permitir absorver o que tudo aquilo significava com medo de desmoronar.

Escutou uma batida de leve na porta.

— Jiji? – Era Keira, chamando-a pelo apelido que lhe dera quando pequena.

Abriu a porta, deixou a garota entrar e trancou de novo.

— Como você tá? – ela perguntou.

Onji suspirou e sentou no chão. Percebeu o quanto queria tirar o vestido, tomar um banho e desaparecer no escuro das cobertas até esquecer de tudo.

— Não sei.

— Você acredita no que elas disseram?

— Sei lá... eu queria não acreditar, mas tenho que admitir que sim. Parece... parece insano.

Keira sentou do lado da irmã e apoiou a cabeça em seu ombro.

— Todo mundo em casa vai ficar preocupado com a gente se não mandarmos uma mensagem.

— Eu sei. Mas talvez seja melhor não meter mais ninguém nisso. Podemos mandar uma carta e eu digo que perdi meu telefone.

Keira pegou em suas mãos.

— Aquela moça, Lara. Ela tem razão. É melhor você descansar agora e amanhã nos preocupamos com isso. É muita coisa pra sua cabeça... Não tem nada que pode fazer agora.

Onji sorriu e acariciou o rosto da irmã. Não entendia como Keira podia ficar tão preocupada com ela. Deveria era estar pensando em si mesma, mas ao invés disso, estava ali do seu lado. A abraçou com força, feliz por tê-la trazido junto afinal.

— Acho que você tá certa.

— Não tem ninguém lá fora. A médica subiu e Maeve, Leon e Will foram até a casa deles. Venha. – A menina ficou de pé e ofereceu a mão para ajudar Onji a se levantar. Ela aceitou. – Vou te levar lá em cima. Vamos achar um quarto pra você. Essa casa é enorme.

Onji deixou Keira a guiar pelo casarão. Era tudo decorado com pinturas, quadros e enfeites artesanais faunos nas prateleiras altas, feitos de madeira e argila. Subiram escadas em espiral até uma sala de estar repleta de prateleiras que levava a um corredor largo com várias portas.

Entraram em um quarto espaçoso, com a decoração simples que parecia um hotel. Duas portas de vidro estavam abertas para uma sacada e a cortina balançava com o vento frio.

Keira andava por ali como se já conhecesse a casa, mas Onji sabia que era apenas por ela ser folgada mesmo. A garota abriu a porta do banheiro da suíte e remexeu os armários. Voltou de lá com uma toalha.

— Tome um banho. Vou trazer sua mochila.

Como um zumbi, Onji obedeceu. Tirou o vestido destruído e se enfiou debaixo do chuveiro, deixando a água quente penetrar em seus cabelos retirando toda a sujeira e respingos de sangue. Hematomas já se formavam no corpo dela e sentia uma dor aguda no corte da bochecha.

Encontrou Keira fechando as portas da varanda. Vestiu uma calcinha e uma camiseta qualquer e as duas se enfiaram embaixo da coberta na cama de casal. A irmã apoiou a cabeça no colo de Onji e suspirou de forma entrecortada, como se segurasse um soluço. Ficaram ali no escuro silencioso, apenas sentindo a respiração uma da outra por muito tempo. Onji sabia que não conseguiria dormir e a irmã também parecia bem longe disso.

Olhava para o nada no escuro quando Keira começou a falar.

— Aquele cara, que eu mordi. Acho que ele morreu.

Sentiu a garota trancar a respiração e soube que ela estava se segurando para não chorar. Se tinham algo em comum, era o medo das duas de demonstrar sentimentos em público. Enfiou os dedos pelos cabelos dela e a apertou contra si.

— Não consigo parar de pensar no que deu errado. No que eu poderia ter feito diferente. E se eu fizesse algo diferente e ele me matasse no lugar? Eu tento pensar que no fim das contas, fiz a coisa certa, mas não tenho certeza.

— Você nunca vai ter certeza – Onji respondeu. – Mas não é nisso que deveria se focar agora. Eu passei muito tempo pensando nessas coisas e descobri muito tarde que ao invés de ficar mirabolando tudo que poderia ter acontecido diferente, deveria lidar com o que aconteceu.

— E como você lidou?

Onji deu uma meia risada com a ironia daquilo tudo. O único motivo de ter procurado ajuda na adolescência era porque precisava cuidar da irmã, e agora era sua vez de ajudá-la.

— Eu surtei. E aí um dia o pai entrou em casa com um cesto e uma filhote de raposa machucada dentro e me falaram que era minha responsabilidade cuidar de você.

Keira se remexeu.

— Você me deixou afogar.

— Eu sei. Mas eu não conseguia fazer nada. Você e eu somos diferentes e vamos lidar com tudo de forma diferente. Eu não tenho como te responder o que vai acontecer, mas posso te dizer que to aqui pra você e não precisa ficar sozinha se não quiser. E que independentemente de como você venha a se sentir com isso, sempre serei sua irmã e sei que você vai conseguir superar tudo que se colocar no seu caminho.

— Acho que é isso que me incomoda mais – disse a menina. – O fato de que não me importo tanto assim. Eu sinto que deveria estar surtando. Que deveria estar vomitando as tripas de nojo pelo que fiz. Mas... – ela deu de ombros – Mas não estou. Na verdade... estou com medo porque tenho certeza que faria tudo de novo se preciso.

Onji não sabia o que dizer. Lembrou-se dos seus dez anos de idade e de tudo que as pessoas a sua volta lhe falaram. Que ficaria bem, que fez o que foi preciso, que não era sua culpa. E o pior de tudo, quando a compararam com aquela mulher, lhe chamando de heroína. Mas, no fim das contas, nenhuma daquelas palavras fez diferença. Eram todas vazias e quando precisou de verdade, foram as irmãs que lhe salvaram.

O Dragão e a FênixOnde as histórias ganham vida. Descobre agora