Capítulo 4

190 27 5
                                    

Onji não viu Leon o dia inteiro mas, pela vila, ouviu comentários sobre como "aquela praga tá demorando pra ir embora" e "é coisa daquele monge Upali, não sei como deixam ele trazer mais daquela gente pra cá".

Sentiu nojo dos conterrâneos e tomou um banho se esfregando toda, como se isso pudesse fazê-la esquecer de tudo. Sentou na frente do computador para tentar escrever seu trabalho. Leu e releu várias linhas, sem conseguir prestar atenção em nada. Em vez disso, tentou conferir as anotações no caderno, mas tudo que fez foi ficar desenhando espirais no canto da página. Quando Yuenu entrou no seu quarto com o cabelo molhado envolto em uma toalha, soube de uma vez que não conseguiria escrever mais nem uma palavra.

— Porta errada, Yue – murmurou, usando um marcador de texto para não esquecer onde havia parado a leitura.

— Não se pode nem visitar a irmãzinha mais. Só queria saber como seu projeto alternativo está se saindo.

— Não tem nenhum projeto alternativo, para de chamar assim, é vergonhoso.

— Bom, eu vou te dar uns dias pra pensar no assunto. Se você não quiser o cara, eu quero.

— Você quer qualquer coisa que se mexa.

A irmã deu uma risada alta e se largou na cama, abraçando um travesseiro. Yue olhou para o teto e o sorriso sumiu do rosto segundos depois.

— Mamãe morre de nojo deles. Os nobres – disse ela.

— E qual é a novidade?

— Não, eu digo, literalmente, do corpo deles. Barbatanas, cicatrizes, asas, rabos, chifres, orelhas e seja lá o que.

— Como eu se eu mesma não estivesse coberta de cicatrizes. Nossa mãe tem nojo de tudo que é diferente dela. E eu a amo demais, mas não posso ignorar o quão preconceituosa ela é.

A irmã concordou com a cabeça e se esticou até a mesa, pegando o computador.

— Você se importa? – perguntou, ligando o aparelho.

— E você, se importa?

— Não.

Revirou os olhos e deixou Yue sozinha no quarto, já que definitivamente não conseguira produzir nada naquela noite. Prendeu o cabelo numa trança e foi pro quintal. Precisava pegar um pouco de ar e caminhar para desanuviar a cabeça cheia.

Seus pais estavam no quintal. Dao podava um arbusto e Nanai prendia algumas bananas em um galho para alimentar os macaquinhos que vinham até ali de noite algumas vezes.

— Ainda não desistiu de ver os micos, mãe?

Nanai sorriu e Dao riu da esposa. Seu pai era da altura de Yue, com o cabelo rente na cabeça e a pele escura.

— Eles aparecem de madrugada, comem tudo e somem o resto do dia – disse ele.

— Pare de espalhar azar, meu bem – ela retrucou. – Não desistirei tão cedo.

— Bom, vou dar uma saída – disse Onji.

Eles não fizeram nenhuma objeção e ela atravessou o pátio, trombando em algo bem na frente do portão, levando um susto.

Leon a segurou pelos braços quando ela se desequilibrou e ele a olhou preocupado.

— Você tá bem?

Ela se desviou dele e o encarou. Leon devolveu o olhar, entreabrindo os lábios ligeiramente.

— O que você está fazendo aqui? – ela perguntou, olhando para trás, o agarrando pelo braço para tirá-lo de vista, arrastando-o para trás do muro.

O Dragão e a FênixOnde as histórias ganham vida. Descobre agora