Capítulo 1

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Onji suava debaixo do sol quente. Parou na sombra de um pessegueiro para prender os cabelos negros em um rabo de cavalo e secar o suor do rosto antes de cobrir os raios solares com a mão e olhar para o fim da trilha. O Monge Upali morava em um sítio afastado onde criava porcos e cabritos, tentando ficar longe do caminho dos outros moradores da vila.

Seus lábios grossos se transformaram numa linha fina de desgosto pelo calor e apressou o passo, atravessando a fazenda, se enfiando debaixo de toda sombra disponível até chegar à velha casa de madeira.

O monge estava sentado em uma cadeira de balanço na varanda, esperando enquanto observava dois filhotes de cabra brincarem em um cercado, pulando um por cima do outro.

Upali, que aparentava ser um homem muito velho e frágil, soltou uma risada forte quando um dos cabritos caiu.

— Mestre Upali – Onji fez um comprimento respeitoso com a mão direita em punho tocando na mão esquerda espalmada.

— Pare com isso, Wang, não sou mestre de ninguém há muitos anos.

— Você não deixa de ser mestre dos outros, senhor – Onji atravessou a varanda para buscar uma cadeira e sentou-se perto dele, agradecendo mentalmente pelo vento que chegava até ali.

Ele a olhou profundamente com os olhos amarelos e sorriu.

— Só você diria algo assim, minha flor. E é por isso que eu chamei você.

— Achei que era para experimentar seu novo recheio de bolinho de chuva.

— Ah! Espere um segundo!

Upali desapareceu pela porta aberta e voltou pouco depois segurando uma bandeja com duas xícaras, uma cesta cheia de bolinhos e uma jarra.

— Sei que geralmente tomamos chá, mas hoje está fazendo um calor excepcional – disse ele, servindo as xícaras com suco.

Onji jogou um dos bolinhos na boca em um movimento displicente.

— Canela... com... morango. Aprovado, obviamente.

O monge riu com a reação positiva.

— O que você quis dizer, mestre? Sobre ter me chamado aqui. – Onji perguntou, uma ruga entre as sobrancelhas. Visitava Upali com frequência, já que ela era uma das poucas pessoas de Kan que falavam com o homem, um nobre-do-dom vivendo em uma vila de humanos. Apesar de se verem o tempo todo, ele nunca a havia chamado para uma reunião desde que Onji fora sua aluna na graduação de Educação Física, lá em Hao-Mou, do outro lado da montanha.

Ele torceu a boca enrugada e soltou a xícara sobre mesinha, parecendo muito cansado de repente. Tinha a pele clara, ao contrário de Onji, com cicatrizes vermelhas profundas, marcando a pele com queimaduras dos canais de energia de seu corpo. Deixava o cabelo raspado, mas se suas sobrancelhas não estivessem brancas, seriam acobreadas, vermelhas ou alaranjadas, como os cabelos de qualquer guerreiro-do-fogo.

Upali cruzou as pernas na cadeira

— O que eu quis dizer, Onji, é a verdade. Ninguém aqui além de você tem uma gota de respeito por mim. Não fosse o Templo da Fênix, eu já teria ido embora faz tempo. Alguém precisa cuidar daquele lugar com a dedicação que Ela merece.

— Você sabe que isso não é verdade. Yuenu e Keira adoram o senhor.

— Suas irmãs, sim, mas você sabe do que estou falando. E não digo isso como um velho ranzinza sem amigos, mas como alguém consciente que escolheu morar em Kan mesmo sendo um nobre. Não me importo, eu gosto de ficar aqui com minha Deusa e minhas cabras, desde que os humanos não me perturbem. Mas meu amigo não é bem assim.

— Amigo?

Onji ficou surpresa, mas não muito satisfeita quando Upali finalmente lhe disse o motivo de tê-la chamado. Não ousaria recusar o pedido de ajuda do monge, ainda mais sendo por uma boa causa. Só não se achava a pessoa certa para aquilo.

— Esse é o cara que todo mundo na vila tá falando, não é? – ela perguntou, depois de ouvi-lo explicar sobre como convidou o filho de velhos amigos até ali para ajudá-lo a se recuperar de um acidente.

O monge fez que sim.

— Leon. Achei que o ar pacífico de Kan seria bom para ele, mas essa velha vila só piorou tudo. Não sei mais o que fazer... ele está perdido e precisa de alguém e percebi que esse alguém não sou eu. O rapaz não tem paciência pra me ouvir falar... acho... acho que está machucado demais pra que um velho como eu lhe diga que tudo vai ficar bem. Ele foi embora daqui ontem pra ficar no hotel e sinceramente...

— Eu sei, senhor. Foi o suficiente pra todo mundo já saber da existência dele. Nobres aqui são a mesma coisa que alienígenas.

Upali riu, assentindo. Onji não gostava do rumo da conversa. Não tinha nada contra tentar ajudar alguém, mas mal conseguia ajudar a si mesma.

Mordeu o lábio e encarou o chão, refletindo. Anos atrás, havia sido o próprio monge Upali quem a ajudara a se recuperar depois dos eventos que lhe trouxeram crises de ansiedade. Se Upali não conseguia ajudá-lo, o que ela seria capaz de fazer?

— Mestre... – ela começou. – Eu não entendo como você espera que eu faça alguma coisa... Eu mal sei qual sapatilha vai no pé esquerdo e qual vai no direito.

Talvez tivesse entendido errado, pensou ela. Não seria capaz de ajudar ninguém.

Mas Upali apenas sorriu e os ombros de Onji caíram. Ela olhou para o horizonte, para a cadeia de montanhas do vale, cobertas de neblina.

Upali pareceu perceber a expressão de desespero dela e colocou uma mão no ombro da garota, sorrindo de forma gentil, como quem entende.

— Não se preocupe, minha flor. É só ser gentil com ele como é com todo mundo.

A garota deu uma meia risada, sem graça. Flor. Ele sempre a chamara assim, mas de flor Onji não tinha nada.

Upali ignorou a forma que ela torceu o nariz e continuou.

— Não te chamei pra curar ninguém, é pra isso que temos médicos e remédios. Mas Leon precisa de companhia. Ele precisa de um amigo – apontou para ela – ou uma amiga. Alguém pra conversar, desabafar e ajudar a passar o tédio. Ele fica constantemente aborrecido e entediado, e abandonou a medicação há dias.

Onji soltou uma interjeição de impaciência que não passou despercebida por Upali.

— E qual que é o problema dele? – ela perguntou, pensando no artigo da pós-graduação que deveria estar escrevendo.

— Tudo que ele conhecia se foi. Teve de largar tudo pra salvar a vida. Os amigos o abandonaram, seus colegas de trabalho o traíram. E ele esteve em um acidente. Você vai ver. Não quero te falar muita coisa. Você sabe como ele poderia se sentir se eu contasse tudo sobre ele e mandasse alguém...

— Eu entendo.

Lembrou-se de quando descobriu que Jia Li era sua mãe biológica, do sequestro, de suas crises de ansiedade. Sempre teve alguém por perto para ajudá-la nesses momentos, fossem as irmãs, os pais, o próprio Upali ou a terapeuta emburrada da qual não gostava mas pela qual era agradecida.

Onji suspirou e levantou. Alisou as calças e alongou os braços, afastando a preguiça do corpo. Se despediu com um cumprimento e voltou para debaixo do sol. 

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O desenho anexado é da Julia Kowalski!

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