25 | quebrada

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"Desculpa, não pode me salvar agora
Desculpa, eu não sei como"

listen before i go — Billie Eilish

Cada vez que eu entrava nessa casa, a repulsa e nojo vinha na mesma hora

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Cada vez que eu entrava nessa casa, a repulsa e nojo vinha na mesma hora. Olhar pra cara daquele homem, sentado ao sofá bebendo cerveja no mesmo lugar que meu "pai" ficava. Tudo o que eu sentia quando era pequena, cada maldito sentimento voltava na mesma hora.

Quando eu achava que superaria finalmente as coisas do passado, quando eu comecei a ter esperanças de que talvez o mundo não fosse algo traumático e que nem todos me machucariam, parece que Deus colocou um obstáculo no meio do caminho, para que isso nunca acontecesse.

Eu entrei na maldita casa após a escola, sentindo o olhar nojento dele sobre mim, me dirigi rapidamente até meu quarto me certificando de trancar a porta.

O cheiro de álcool era normal para mim, mas agora saber que esse cheiro vinha de um homem desconhecido que vive pelas paredes da minha casa me trás ânsia de vômito. A cada dia que passava, sentia que tudo o que lutei por anos indo embora pelo ralo.

Eu queria tentar esquecer isso e sair com Enora, mas ela ao menos via as mensagens que enviava para ela, e ela nem ia mais para a escola, aquele lugar podre ficava pior ainda sem ela.

O som de batidas na porta me fizeram estremecer, eu me encolho dentro do quarto e me afasto da porta. Minhas mãos estão trêmulas enquanto observo a maçaneta da porta gira, igual em um filme de terror.

— abra!

A voz grossa ecoa do outro lado da porta e os pelos dos meus braços se arrepiam, rapidamente me afasto e me tranco no banheiro, ficando agachada com as mãos entre os ouvidos...

Mais uma vez papai estava batendo na porta tarde da noite, eu não sabia o que poderia fazer. Eu sempre abria, mas ele me machucava e eu comecei a trancar a porta para que ele não abrisse mais ela, eu tinha medo dele.

Eu engatinhei até a porta do banheiro e abri ela, me encolhendo no canto e me escorando na parede fria, enquanto a voz de papai ainda podia ser ouvida. O medo crescia cada vez mais em meu peito, o som de alguém tentando derrubar a porta fazia-me encolher ainda mais sobre a parede e abraçar minhas pernas.

Ouço o estrondo e então passos rápidos vindo até o banheiro. Papai apareceu na porta, seus olhos não estavam como sempre, eles estavam vermelhos e pareciam pegar fogo de raiva.

Suas mãos envolveram meu antebraço em seus dedos e eu fui puxada brutalmente para a minha cama, sendo jogada lá ao lado do meu urso de pelúcia que sempre estava comigo, sempre que papai me machucava, como agora.

Eu tento afastar esses pensamentos que rodeiam minha cabeça, tento balança-lá para fazê-los ir embora e nunca mais aparecer novamente, mas eles eram feridas que pareciam nunca se curar.

A porta parou de se mover e a maçaneta se acalmou, de repente as batidas do meu coração se acalmaram e a angústia que sentia ainda estava lá, mas ela foi se esvaindo aos poucos. Eu respiro fundo, soltando a respiração presa em meu pulmão.

As lágrimas que estavam rolando em meu rosto foram retiradas pela minhas mãos, que continuavam trêmulas.

Eu fiquei sentada na mesma posição a noite inteira, pensando em como essa merda de vida tinha que ser tão traiçoeira comigo, essa merda nunca acabaria? Eu sempre terei que continuar vivendo e revivendo aqueles malditos dias horríveis da minha vida?

Eu peguei meu celular no bolso da minha jaqueta, minhas mãos trêmulas entraram no contato do Damien, eu não queria mandar mensagem para ele, mas eu não sei o motivo de ele sempre ser o primeiro que eu deixo meu orgulho de lado para pedir ajuda.

Talisa: Damien, posso ficar na sua casa hoje?
Talisa: não quero incomodar vocês, mas é apenas hoje.

Fiquei alguns minutos esperando que ele responda, mas nenhuma resposta chega, nada de mensagens ou alguma ligação. Eu solto um suspiro cansado, desligando o celular e me levantando, sentindo meu corpo tenso pelo tempo que fiquei no chão na mesma posição.

Meu rosto estava com uma coloração pálida, meus cabelos vermelhos estavam cheios de frizz e com as pontas feias pela falta de cuidado. Eu não estive tendo saúde e vontade de lavar meus cabelos, na verdade não estive tendo vontade nem de ir trabalhar. A ideia de sair desse quarto e dar de cara com ele me deixa nervosa, ou chegar tarde do bar e pensar nele estando acordado, eu não quero ficar sozinha com ele.

Abro a torneira e jogo água no meu rosto, sentindo meus olhos caídos de sono, por conta de inúmeras noites onde não conseguia pregar os olhos pelo medo excessivo que sentia de alguém entrar dentro do meu quarto.

Isso me trazia diversas lembranças ruins da infância, de quando eu ficava abraçada com meu urso de pelúcia favorito e com a coberta tampando meu corpo inteiro por medo do monstro entrar e me ver acordada. Eu era pequena demais para saber o que era aquilo, e depois que cresci e tive conhecimento, eu nunca mais fui a mesma.

Mas depois dos meus 8 anos para cima, nada mais aconteceu, ele não entrava dentro do quarto, ele não me batia, não me xingava verbalmente. Tudo isso parou quando aquela sombra estranha chegou, e eu nunca tive medo.

Quando criança acreditava que podia ser meu anjo da guarda, mas conforme fui crescendo, minha fé foi despencando, e eu tinha certeza de que aquilo lá não era um anjo, mas sim um demônio. Eu sai escondida muitas vezes para a biblioteca da cidade, em busca de livros onde podia me dar algumas informações e quando achei, eu tive a certeza de que era tudo, menos um anjo.

Mas não tive medo, jamais pensei em afastá-lo e fazer o que o livro mandava, apenas deixei que ele ficasse todas as noites espreitando-se sobre as paredes pequenas do meu quarto, sentindo os seus olhos cravando em cada ação minha, pelo menos estava protegida do monstro, mesmo que um demônio estava me protegendo.

DAMIENOnde as histórias ganham vida. Descobre agora