30 | "a freira te supera"

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"Nós nos encontramos
Eu te ajudei a sair de um lugar destruído
Você me deu conforto"

Call Out My Name — The Weeknd

Passei anos da minha vida guardando a mágoa e o ódio em meu peito

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Passei anos da minha vida guardando a mágoa e o ódio em meu peito. Observando a mulher que deveria cuidar e me proteger conspirando junto com meus traumas e meus medos. Cada vez que superava uma parte da minha infância, ela colocava um obstáculo impedindo qualquer avanço meu.

O copo havia transbordado, a raiva se apossou de mim e agora eu só pensava em vingança. Eu nunca achei que esse dia chegaria, nunca achei que eu mesma faria isso mas os anos foram passando e a cada parte da minha vida construi raiva e remorso da pessoa em que levava o cargo de minha mãe.

Ouvi Enora tentando conversar comigo mas a minha mente estava longe, a minha cabeça ainda martelava sobre o que eu iria fazer. As coisas passam tão rápido na minha mente, minhas mãos trêmulas, minha garganta seca e a angústia em meu peito. Eu realmente faria isso, eu queria fazer isso. Eu me sentia a pior pessoa que pisou nessa terra, ninguém em sã consciência faria algo assim, matar sua mãe.

— Talisa — Enora estralou os dedos em frente ao meu rosto e rapidamente voltei a prestar atenção no que a loira dizia — sei que você deve estar se sentindo mal pelo o que vai...

— não estou — a interrompi, erguendo minha cabeça para encontrar seus olhos me analisando com cuidado — eu passei anos da minha vida sofrendo por ela, Nora. Não posso deixar que esses sentimentos e traumas cresçam pelas atitudes daquela mulher, então eu darei um ponto final. Em tudo.

— e se você se arrepender? Você sabe o peso que carrega em suas costas por matar alguém? Não só "alguém" mas sim sua mãe, mesmo não fazendo esse papel é inevitável. Você sempre vai se sentir perdida, sua cabeça pode ficar calma durante alguns dias mas depois isso passa e repassa em sua mente. Todos os dias. Então porque não deixa para Damien?

— não Enora, eu não sou essa garotinha fraca e de mente inocente igual vocês acham. Eu tive vontade de fazer isso por anos da minha vida, e toda vez que a merda da imagem dela aparece em minha mente, tudo volta. As lembranças de quando meu próprio pai me estuprou, enquanto aquela mulher olhava e encubria tudo o que ele fazia, você tem ideia? Eu passei minha infância numa casa onde ela queimava as pontas do cigarro na minha pele se caso alguma coisa de errado acontecesse na vida miserável dela, onde me espancavam até sair sangue da minha boca porque eu fiz algo de errado na escola. Tudo isso se acumulou, e sabe quando finalmente a porra das coisas mudaram? Quando ele morreu. E agora, é a vez dela.

Eu pude vê-lá engolir em seco e ficar calada, encostada na estante com seu copo de café entre os dedos e os olhos caídos e sem vida. Enora sempre teve esse olhar, como se nada importasse para ela nesse mundo, e agora parecia ainda pior.

Ela assentiu com a cabeça, me dando um beijo demorado na testa e virando as costas para ir até a sala. Ela entendia que precisava de espaço, precisava de um tempo sozinha para pensar o que faria, mesmo que Damien já tivesse pensado em tudo.

Eu respirei fundo e subi as enormes escadas, buscando pelo quarto de Damien onde estava com a porta fechada. Eu bati na porta e no mesmo instante ela foi aberta pelo moreno, ele vestia uma calça de moletom cinza e estava sem camisa. Os cabelos castanhos estavam molhados e caíam sobre seus olhos escuros que me encaravam com intensidade que parecia rasgar minha pele.

— entra — ele murmurou, dando espaço para que eu passasse e então entrei.

Senti a porta atrás de mim ser trancada e um arrepio percorreu meu corpo quando as mãos enormes e geladas dele encostaram na minha cintura por cima da camiseta. Ele deslizou os dedos para dentro da camisa alisando a pele nua da minha cintura e me dirigindo até a cama, onde me fez virar e ficar de pé olhando o seu rosto.

— tem certeza?

— tenho — murmurei em voz baixa, sentindo o ambiente ao redor ter pausado.

— se você mata-lá, não terá volta — ele se aproximou do meu corpo, senti o calor emanar dele e inalei o cheiro de menta com cigarro que refrescava o quarto.

— eu não tenho nada a perder Damien — seus dedos traçaram os fios vermelhos do meu cabelo para trás da orelha e fiquei inquieta o vendo me encarar com cuidado.

— eu amo seu cabelo — ele amontoou alguns fios em seus dedos e puxou para trás, dando completa liberdade para beijar meu pescoço. Senti seus lábios quentes encostarem delicadamente logo abaixo do meu maxilar.

Soltei um suspiro, vendo o quão bom era ficar perto dele. Era tão irônico se sentir em paz quando se está nos braços de um demônio.

Talvez porque eu seja parecida com ele, de qualquer forma. Eu sempre me senti vazia no mundo, um corpo que nunca seria preenchido com felicidade ou amor, mas é interessante ter encontrado isso em quem menos esperava algum dia. Em um demônio.

quando você se transforma em um... demônio.. você muda a sua aparência?

— sim, você quer ver princesa? — ele questionou, um sorriso ladino em seus lábios enquanto os olhos intensos me analisavam igual um animal. Faminto.

— quero...

As suas mãos me seguravam ainda, quando seu rosto mudou de forma. Seus olhos não tinham mais o espaço branco, era tudo preto. As presas em seus dentes apareceram e sua pele ficou ainda mais pálida que o normal.

Eu devo ser esquisita, mas nem assim ele poderia ficar feio. Eu ergui a mão lentamente, encostando em sua bochecha e observando o rosto incomum dele, a aparência era totalmente diferente e... igual ao mesmo tempo.

agora posso finalizar meu plano de te sequestrar e levar você direto para o meu mundo — ele murmurou, um tom zombeteiro enquanto voltava com sua aparência normal.

Eu soltei uma risadinha, observando o seu sorriso que mostrava os dentes brancos e completamente retos.

— você gosta do seu mundo?

— não tanto igual aqui — ele murmura, se deitando na cama e me puxando pela mão para deitar em seu lado — mas eu gosto daqui apenas por você, e pelo cigarro.

Eu olhei para ele, fingindo uma falsa indignação o vendo rir. Sua risada era rouca e bonita, fazendo minhas estranhas se contorcerem enquanto ouvia.

Fazia tão pouco tempo que eu o conheci, mas para ele faz anos que me conheceu. Eu observava seus detalhes enquanto ele escolhia um filme, obviamente de terror.

— esses demônios de filmes são uma piada, consigo ser muito mais assustadores que eles.

— a freira consegue te superar.

— não fode — ele revira os olhos e quando volta ao normal eles estão escuros.

Eu tampo a minha visão com o cobertor pelo medo, e o quarto ainda estava escuro.

— pare com isso — eu chutei suas pernas ouvindo a risada dele ecoar pelo quarto.

...

Quem é vivo sempre aparece né? KKKK

DAMIENWhere stories live. Discover now