As gêmeas mingau

52 1 0
                                    

Na casa da namorada de Plínio, as coisas andavam meio agitadas.

- Preciso desligar agora, mozão.

- Eu quero falar com o Plínio! - estrilou Maria Isabel.

Maria Paula desligou e caiu na gargalhada. Tinha se passado por Maria Isabel, sem que Plínio desse pela confusão.

- Não gostei nada - sentenciou Maria Isabel. - Pode ficar sabendo.

Maria Paula e Maria Isabel eram irmãs. Gêmeas. Elas pareciam fisicamente em tudo. Descrever uma era descrever ambas: voz límpida, cabelo encaracolado, corpo desenvolvido para a idade. Mas o temperamento...

- Você não era assim, Maria Isabel. Antes você também se divertia confundindo as pessoas.

- Isso é coisa de criança - respondeu a irmã. - Nós já temos quinze anos! Quinze!
Era justamente esse o problema, pensou Maria Paula. Desde que as duas fizeram aniversário, ela ia ficando mais diferente da irmã. E a irmã, mais parecida com todo mundo.

- Foi só uma brincadeira - disse Maria Paula, tentando encerrar a discussão.

- Mas foi com o meu namorado! O meu namorado!!

- E por que você não engole o seu namorado?! Tomara que tenha uma bela indigestão!

Foi quando se ouviu uma voz rouca vindo de cima:

- O que está acontecendo aí, meninas?

Era a dona Lígia. A mãe das gêmeas. Veio descendo. Tinha quarenta anos, mas resmungava com se tivesse oitenta quando precisava usar a escada.

- Detesto sobrados! - ruminoi dona Lígia. - Só mesmo o imprestável do George (que Deus o tenha) pra inventar de comprar um sobrado para nós. Eu disse: escadas acabam com as pernas da gente! Mas ele ouviu? Olha só...

Estava apontando para a batata da perna.

- Fiquei batatuda deste jeito por causa dessa escada.

Doma Lígia tinha uma voz rouca, mas volumosa. Um constante pigarro tomava sua garganta. Tossiu e disse:

- Não vai botar uma roupinha, Maria Paula?

- Eu já estou pronta!

- Vai à festa com sua irmã vestida desse jeito?!

- Com que roupa quer que eu vá?

- Não comprei um vestido de festa pra você?

- Mas é igual ao da Maria Isabel!

- Justamente. Vocês ficam tão engraçadinhas vestidas iguais.

Tinha sido assim desde que as duas nasceram: gêmeas idênticas; vestidos idênticos.

- Todo mundo fica olhando! - argumentou Maria Paula.

- Ora, minha filha; é essa a ideia. É exatamente essa a ideia.

A mãe foi até o aparelho de TV, ligou e sentou na sua poltrona preferida.

- Não aguento aquele vestido! - reclamou Maria Paula.

Dona Lígia nem ouviu. Quando ela assistia comerciais, o mundo podia vir abaixo.

Vendo a mãe sentade à frente da TV, a irmã preocupada em não amassar o vestido, Maria Paula decidiu escrever suas memórias. Já tinha o título; Memórias idênticas.

- Aquele vestido coça - insistiu Maria Paula.

- Ssssss - fez dona Lígia, pedindo silêncio. - Está começando a do óleo de soja!

A propaganda do óleo de soja era a preferida da mãe. Tinha um tipo calvo que fazia trocadilhos. Dona Lígia ria e tossia. Ria e tossia. Ria e tossia.

- Se é para ir vestida daquele jeito, prefiro ficar em casa - resmungou Maria Paula.

- E perder a chance de parecer com sua irmã numa festa como essa?!

- Ah, mamãe...

Os comerciais acabaram; a novela começou de novo. Dona Lígia pegou o controle remoto e tirou o som do aparelho. Ela nunca assistia os programas. Só gostava de propaganda.
Deu uma tragada no cigarro e reclamou:

- Não sei por que não estão passando mais o filme com vocês duas. Para mim é o melhor. O do óleo de soja, também. O do óleo de soja e o de vocês... Os melhores!

As gêmeas trocaram um olhar. Era um sofrimento que dividiam. Desde que tinham aparecido num comercial de mingau de aveia, quase não podiam mais sair na rua sem que fossem reconhecidas. As pessoas apontavam para elas. Sentiam-se no zoológico. Eram conhecidas como aa "gêmeas mingau".
Mais um assunto para as Memórias idênticas.

Num certo sentido, isso coroava um esforço de anos de dona Lígia. As gêmeas já nem se lembravam mais da primeira vez que tinham sido levadas pela mãe a um estúdio de fotografia para propaganda.

- Escutem aqui - falou dona Lígia. - Nada de refrigerantes, entendido? Quero as duas dentro da linha!

As garotas se entreolharam. Sabiam que dona Lígia estava tentando arrumar outro comercial para as filhas estrelarem. Por um certo tempo, tinham alimentado a vã esperança de que sua mãe se desse por satisfeita com o sucesso do comercial do mingau de aveia.

Era hora do intervalo. Os comerciais tinham começado outra vez. Dona Lígia pegou o controle remoto e aumentou o som da televisão. Maria Paula suspirou e baixou o olhar. Era preciso dedicar um capítulo nas Memórias idênticas para as discussões com sua mãe, pensou.

- Como é que esse menino pode fazer tanto sucesso? - perguntou-se dona Lígia, apontando para a tela da televisão. - O que o pessoal vê nesse tipinho?

Ela se referia a um concorrentes das "gêmeas mingau". O garoto prodígio do comercial dos amortecedores.

Office-boy em Apurosحيث تعيش القصص. اكتشف الآن