Um curativo bem temperado

12 1 0
                                    

A cozinha era o centro nervoso da festa na casa do doutor Ignácio. As frigideiras chiavam. Cozinheiros cortavam pães com facas enormes e preparavam os patês. Os garçons entravam e saíam, sem ver quem via do outro lado.
No meio de toda essa agitação, Edmundo saboreava um avantajado sanduíche de presunto cru e ovas de peixe. Eugênio esperou que o boy desse mais uma mordida. Sabia que o caminho para a colaboração passava pelo estômago. Depois, perguntou:

- Como é? Me ajuda?

- Por que você mesmo não vai falar com a garota?

- Eu não consigo!

- E a papelada do seu pai?

- Deixa que eu misturo esse tal contrato com os outros quando meu pai não estiver por perto.

Edmundo não disse nada. Mastigou bem devagar mais um pedaço do seu sanduíche. Engoliu e disse:

- Diz a verdade. Só estava aprontando essa porque é a mina do Plínio.

- Eu não mostrei?! Você viu: ela é linda!

- Bonitinha.

- Quem decide sou eu. Só quero que dê um jeito dele vir conversar comigo.

- Você não disse que nem conseguia falar perto da garota?!

- Fico quieto, então.

- Só olhando?

- Pra mim serve.

- O que você viu nela, que eu não vi?

- As mãos.

Edmundo percebeu que não tinha como escapar daquela situação. O "patrãozinho" estava obcecado. Além disso, outro motivo atiçava: nunca era demais chatear o Plínio.

- Vou ver o que posso fazer - disse o boy entregando a pastinha, depois de fazer um suspense. - mas antes vou terminar meu sanduíche. Preciso de energia!

Eugênio abriu um sorriso. Mas, como ele sempre se esquecia de agradecer, não foi diferente dessa vez. Apenas informou:

- Vou esperar no jardim.

E foi saindo. Antes, porém, fez uma careta e levou a mão ao estômago, dizendo:

- Preciso me acalmar. Os gases já estão se formando.

Abriu a porta e desapareceu.

O boy abriu a boca para dae outra mordida no sanduíche. Só então percebeu que estava sendo observado pelo cozinheiro. Uma pessoa simpática. Sorria e tirava caca do nariz. Cortava o pão e tirava caca do nariz. Descaroçava a azeitona e tirava caca do nariz.

Edmundo decidiu partir imediatamente em sua missão. Abriu a porta da cozinha e ouviu do outro lado:

- Uuuuuiiiiiiii!

Seguido do ruído seco de alguém caindo sentado no chão.

- Presta atenção, ô... - gritaram do lado de lá.

Cuidadosamente, Edmundo foi esticando o pescoço. Viu um par de pernas estiradas no chão. Era a paixão de Eugênio. No chão.

- Eu ajudo - disse ele, estendendo a mão.
A garota olhou bem para o rapaz. Fez uma pausa antes de retribuir o gesto. Na hora de se levantar, deixou o pé sobre o pé de Edmundo. Largando todo o peso.

- Obrigada.

Ele nem ouviu direito o agradecimento. Estava tentando não gritar. A dor era tão forte que seus olhos se encheram de água. Sua visão ficou turva. Quando as lágrimas correram, enxergou o rosto de Maria Paula. Cristalino.

Office-boy em ApurosWo Geschichten leben. Entdecke jetzt