Vou fazer tudo sozinho?

15 0 0
                                    

No dia seguinte ao encontro frustrado, Eugênio saiu um pouco atrasado de casa. Chegou ao escritório e automaticamente se dirigiu à copa, onde sempre encontrava Edmundo. Já era quarta-feira. Sem perceber o garoto ia se habituando à rotina.

Logo que entrou no corredor, no entanto, ouviu uma voz conhecida. Doutor Ignácio saía por uma porta. Só percebeu que Eugênio vinha no sentido oposto quando estava bem próximo. Ficou um instante sem saber o que fazer até que disse:

- Bom dia.

- Bom dia, papai.

Eugênio viu o pai seguindo até o fim do corredor. Sem olhar para trás.

Um minuto se passou até ouvir a voz de Plínio.

- O que está fazendo aí, parado? Tem de sair já.

- E o Edmundo?

- Já foi.

- Não me esperou?!

- Não. Disse que você já sabia se virar sozinho. Vamos ver... Entregue este envelope no endereço escrito aí; é urgente. Depois, pague estes carnês. Vencem hoje.

- Vou fazer tudo isso sozinho?

- Claro que vai. É a sua obrigação!

- E o dinheiro do lanche?

- Pra quê? Não vai sobrar tempo pra cabincomer. O que está esperando? Anda, moleque.

E lá se foi o aprendiz de boy.

Eugênio estava tão bravo que quase passou direto pelo lugar que devia entregar o documento. Era um edifício antigo. No umbral se lia: 1936. Empurrou a porta e entrou.

O saguão estava escuro, silencioso. O piso imitava um tabuleiro de xadrez. Pendurado na parede, um enorme quadro pintado a óleo mostrava um sujeito com asinhas nos calcanhares.

Pegou o elevador e chegou ao quarto andar. Desceu. Conferiu o endereço no envelope. A porta estava fechada. Tocavam violino lá dentro. O aprendiz de boy apertou a campainha. A música parou.

- O que você quer? - alguém perguntou através de um interfone.

- Vim trazer um documento. Do escritório do doutor Ignácio.

A porta foi destravada automaticamente. Eugênio entrou numa apertada cabine blindada. Logo que passou, a porta trancou sozinha. O aprendiz de boy começou a suar frio.

- Onde está Edmundo? - perguntou a voz, por outro interfone.

Eugênio notou uma câmera de vídeo no teto. Olhou na direção da lente e levantou o ombro. Não sabia o que dizer.

- É sempre ele que vem da parte do doutor Ignácio - continuou a voz. E depois um silêncio: - Sabia que esta cabine pode se encher de água ao meu comando?

- N-não, s-s-senhor...

- Mas o pior vem depois, com a descarga elétrica!

- S-sim, s-s-senhor...

- Como posso saber se você fala a verdade?

- E se eu... e se eu jurar?

Uma gargalhada debochada tronitoou pela cabine. Em seguida, abriu-se uma janela na placa blindada. Através do vidro à prova de balas, Eugênio pode ver seu interlocutor.

Tratava-se de um sujeito gordo, sentado a uma cadeira de rodas. Sobre a mesa ficavam umas caixas de metal com cadeado, um violino e um revólver calibre 38.

Como o garoto estava branco como a lua, o homem parou de rir. Disse:

- Não ficou bravo com a brincadeira, ficou?

- Não, senhor - respondeu Eugênio, tentando controlar a taquicardia.

- Ignácio não me avisou que vinha outro boy. Você é novo na firma?

- Estou trabalhando com papai desde segunda.

- Você é filho do Ignácio?!

- Sim, senhor.

- Por que não disse antes?... Que belo rapagão o Ignácio tem. Como é seu nome?

- Eugênio.

- Seu pai foi o melhor piloto que eu já vi voando. Servimos juntos na Força Aérea. Um grande companheiro! Fiel, generoso. Compreensivo.

O gordo se calou. Tinha o olhar perdido Logo veio um sobressalto; voltou.

- Bem, passe para cá esse envelope - disse o gordo abrindo uma portinhola. - Vamos conferir.

Logo que Eugênio deixou o escritório, ouviu de novo o som de violino.

Enquanto esperava o elevador, pensou: aquele homem na cadeira de rodas falara de seu pai. Mas parecia ter descrito outra pessoa. Para Eugênio, doutor Ignácio era um homem amargo e ranzinza. Aquele às da aviação, generoso e compreensivo, também ele gostaria de ter conhecido.

Office-boy em ApurosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora