Onde é que está o cisne?

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Edmundo já fora antes à casa do patrão. Mas nunca tinha entrado. Uma moça vestindo avental de rendas disse para ele esperar ali.

O boy olhou em volta. A sala era espaçosa. No fundo, uma escadaria subia até um balcão. Tinham retirado quase todos os móveis por causa da festa. Na parede havia quadros de caça à raposa.

Aproximou-se de um daqueles quadros. Reparou na roupa das figuras, cheias de babados. Estava pensando onde conseguir uma daquelas casacas, quando alguém perguntou:

- Onde é que eu deixo isso, garotão?

Era um sujeito carregando um saco enorme de gelo. Estava parado na entrada. O gelo que derretia ia pingando e criando uma poça d'água no tapete. Edmundo só levantou os ombros. Não tinha a menor ideia.

Pouco depois, a ma vestindo avental de rendas voltou. Disse ao boy:

- O doutor Ignácio vem atender você já, já. Pode esperar aí mesmo.

- Moça! - chamou o sujeito que carregava gelo. - Onde é que eu deixo isso?

- Eu é que sei? Esta casa está uma loucura hoje!

E saiu. O sujeito ficou lá, plantado. Tremendo de frio sobre a poça d'água no tapete.

Uma porta no fundo da sala se abriu. Um homem de paletó verde-garrafa, gravatinha e ar de atarefado foi logo perguntando:

- E o cisne?

- Cisne?

- Que cisne?!

- Você não trouxe o cisne?!?! Se não trouxe o cisne eu não recebo nada! Onde está seu chefe?

- Lá fora. Na caminhonete.

- Eu vou falar com ele. Você espera aqui, entendeu? Aqui! Sem cisne não tem negócio.

Sem dar maiores explicações, saiu. A poça d'água aumentava nos pés do carregador. E a tremedeira ficava cada vez mais forte.

- Com licença - disse um baixinho que tinha chegado sem que fosse notado. - Onde eu deixo as cadeiras?

Edmundo levantou os ombros, de novo. O baixinho se voltou para o carregador. Que só tremia.

- Bem... Vamos deixar na sala por enquanto. Pessoal! - chamou o baixinho.

Trazendo uma cadeira nas mãos, entrou na sala. Seguido pelo seu pessoal. Um atrás do outro, mais dois baixinhos e um pirulão. Cada um carregava uma cadeira. Andavam no mesmo ritmo. Em fila indiana.

Os carregadores de cadeiras repetitam o mesmo cerimonial mais duas vezes, antes que Edmundo ouvisse a voz do patrão.

- Ainda bem que você trouxe esses contratos! - disse doutor Ignácio, descendo apressado os degraus da escadaria. - Não sei por que o Plínio mesmo não trouxe isso...

- Ele estava muito ocupado - respondeu santamente Edmundo.

Doutor Ignácio atravessou a sala desviando-se das caldeiras e foi tirando a caneta do bolso. Era um tipo alto, magro, agitado. Pegou os papéis para conferir se estava tudo em ordem.

- Vamos resolver isso de uma vez.

Só então percebeu que alguém mais o observava: tremendo sem parar, o carregador tinha um ar suplicante.

- Você é o homem do cisne?

- C-com li-licença - suplicou o carregador de gelo, gaguejando de frio. -S-só queria s-saber onde d-deixar isto.

- Espere um pouco. Tem uma pessoa contratada para resolver tudo.

Estava tão absorto com os documentos que nem percebeu os três baixinhos e o pirulão entrando com as cadeiras. Uma, duas, três vezes. A sala já ia sendo tomada.

- Por que você não pega uma cadeira e senta? - sugeriu doutor Ignácio sem tirar os olhos dos papéis.

- Qualquer uma, doutor Ignácio? - perguntou Edmundo, cândido.

- Claro! Qualq...

Doutor Ignácio se virou e interrompeu o que dizia. Levou ainda alguns segundos para entender o que estava acontecendo. O baixinho entrou, seguido pelos seus companheiros. Trazendo mais cadeiras.

- Você tem certeza que é para deixar essas cadeiras aqui? - perguntou doutor Ignácio.

- O senhor sabe o lugar certo?

Doutor Ignácio coçou a cabeça com a caneta. E só conseguiu repetir, meio desanimado:

- Tem uma pessoa contratada para resolver isso.

- Bem... Vamos deixar na sala por enquanto. Pessoal!

Em fila indiana, os três baixinhos e o pirulão saíram. Para buscar mais cadeiras. Com os pés na água gelada, o carregador acompanhava tudo. Tremendo de frio.

Neste momento, voltou o homem de paletó verde-garrafa.

- Ainda bem que o senhor está aqui! - disse, quase desesperado. - O pessoal do gelo diz que não sabe do cisne! Sem o cisne eu não respondo pelo meu trabalho!

E saiu.

Doutor Ignácio olhou para o chão. Respirou fundo. Parecia que ia explodir. Pegou a papelada, pensando em voz alta:

- E eu estou pagando esse sujeito para resolver tudo...

Lá se foi doutor Ignácio, porta afora, feito um rojão. O boy colocou sua pastinha sob o braço. Estava contente por ter acabado o serviço. Acenou para o homem do gelo. Com os pés dentro de uma imensa poça d'água, o carregador de gelo disse:

- T-t-t-t-tchau!

Mas, antes de ir embora, Edmundo resolveu dar mais uma olhada no quadro de caça à raposa. Queria guardar bem o modelo da casaca do tocador de trompa.
Estava entretido nessa tarefa, quando percebeu uma presença no alto da escadaria. Vagarosamente se voltou. Lá estava Eugênio, o filho do doutor Ignácio: o "patrãozinho". Vestia roupão e calçava apenas meias.

- Feliz aniversário - murmurou o boy.
Eugênio demorou a responder:

- Estou precisando de você.

- Eu sabia... - resmungou Edmundo.

Office-boy em ApurosWhere stories live. Discover now