Um boy que caiu do céu

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Edmundo levava o documento esquecido em sua pastinha à casa do doutor Ignácio. Tinha tentado ligar antes, mas o telefone do patrão estava sempre ocupado. Quando atendiam, demoravam para entender o recado e a ligação acabava caindo.

Dobrou a esquina, avistou o homem de terno, gravata e bigode aparado controlando a entrada. E estacou. Havia apenas um, aquele momento. Mais sinistro.

Ficou parado muito tempo no mesmo lugar e acabou chamando atenção. Edmundo percebeu, tentou disfarçar. Não conseguiu. O segurança não tirava mais os olhos dele.

- Calma - disse o boy para si mesmo, baixinho.

Precisava agir com naturalidade. Não estava fazendo nada de errado. Voltou a andar. Devagar. Foi pensando: os seguranças bateriam o olho e não o deixariam entrar. Já podia até ver a cara medonha do sujeito.

Foi-se aproximando, foi-se aproximando... e passou reto. Parou só na outra esquina. Edmundo coçou por baixo da onda em seu cabelo. Tinha outro jeito? Não entregar o contrato seria muito pior, pensou. Voltou.

Mas e se na hora em que fosse tirar o papel da pastinha achassem que era uma arma? Ou uma bomba? Essas perguntas giravam na cabeça do garoto. Pôde até ver a cena: o segurança descarregando a munição da sua pistola. Antecipou a manchete: SEXTA-FEIRA DE SANGUE NA FESTA DOS GRÃ-FINOS!

Quando deu por si, já estava na entrada da casa. O segurança olhando fixamente para ele. Em silêncio.

- É claro que o senhor não vai me deixar entrar - disparou Edmundo. - Um tipo como eu, de calça vinho com bolinhas amarelas e este cabelo esquisito? Eu entendo. Eu entendo!

Não houve tempo para reação. O segurança ficou boquiaberto. Edmundo emendou.

- É claro que, se eu disser que tenho um documento muito importante para o doutor Ignácio assinar, o senhor não vai nem acreditar. Aparece cada tipo, não é mesmo?

Edmundo disse isso e foi entrando, sobre o olhar atônito do grandalhão. Já ia entrando sm nenhuma resistência, quando ouviu:

- Mas problema aí, Januário? Que noite!
Era o chefe que chegava de dentro de casa. Jogou a luz da sua lanterninha na cara de Edmundo e perguntou:

- O garotão tem convite?

Edmundo teve a impressão de que os seguranças de terno, gravata e bigodes aparados tinham enfiado a mão sob os paletós. Provavelmente para sacar suas pistolas a qualquer movimento suspeito do militante.

- Eu sabia - murmurou o penetra.
Enquanto Edmundo ia saindo, pé ante pé, ainda pôde ouvir o rumor de vozes, copos tilintando e música que vinha lá de dentro.

Realmente a festa continuava animada.
No centro do jardim, deixaram o cisne de gelo. Coberto por um toldo, estava cercado por quatro tochas flamejantes. As chamas tremiam com a brisa. Os convidados se aproximavam e se serviam na poncheira depositada entra as asas do cisne.

Havia também um enorme mesa ornamentada com frutas tropicais. Um trio de violão, atabaque e chocalho cuidava da música. Eram três senhoras de brincos enormes, vestidas de pantalonas brancas e camisas floridas. Cantavam suavemente, em uníssono: "Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça..."

Eugênio passeava sozinho entre as pessoas. Tentava imaginar o que Flammarion - o aventureiro desiludido - faria numa situação daquelas, mas não chegou a qualquer conclusão. Talvez o famoso espião jamais viesse à sua festa de aniversário, concluiu.

Caminhou um pouco pelo jardim. Curvado, profundo, as mãos cruzadas às costas. O aniversariante já partia para bem longe em sua imaginação, quando chamaram:

- Primo!

Era Plínio que se aproximava. Vinha acompanhado por uma moça. A chamas da tochas pouco iluminava os dois.

- Você não quer conhecer minha namorada?

A garota chegou mais perto e Eugênio pôde o seu rosto. Um cacho do cabelo balançava sobre a testa com a brisa. Maria Isabel puxou a mecha para trás da orelha e estendeu a mão para Eugênio.
Ele não respondeu. Estava paralisado. Maria Isabel ficou com a mão estendida. Eugênio nunca tinha visto mão mais bonita que aquela. Nem mesmo nas aventuras de Flammarion.

- Não ligue pro Eugênio - disse Plínio puxando a namorada pelo braço. - É um esquisitão.

O casal foi se distanciando. A garota ainda olhou para trás, um instante. O cacho balançando sobre a testa. Depois entraram no salão.

Eugênio não movia um músculo. Respirava fundo. Sentia ter mais espaço em seu pulmão. Não entendia o que se passava com ele. Teve uma bondade imensa de ir atrás da garota. Mas como? Nem conseguia sair do lugar, pensou. E se conseguisse? O que iria dizer?
Eugênio começou a sentir coisas estranhas. O coração bateu mais rápido, a face corou, uma pastinha caiu em sua cabeça... Ficou zonzo e caiu sentado.
Uma pastinha?! Procurou em volta e viu: era mesmo uma pastinha de couro que tinha caído em sua cabeça. E ouviu um resmungo vindo do alto:

- Eu sabia...

Olhou para cima. Alguém estava no topo do muro, medindo a distância até o chão. Depois pulou. Era Edmundo.

- Machucou? - perguntou Edmundo.
Eugênio se levantou e disse:

- Edmundo, você me caiu do céu.

Office-boy em ApurosWhere stories live. Discover now