Fiz bobagem?!

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Edmundo falou, com a cabeça baixa:

- O Cosme. Não quer ajudar.

O boy estava olhando para frente agora, sem encarar ninguém. Era hora de desabafar. Afinal, estava entre amigos. Contou tudo o que acontecia em casa. Parecia, às vezes, que o garoto falava para ele mesmo.

A turma acompanhou toda a história com a maior atenção. Quando Edmundo finalmente falou da dispensa de Cosme, Jó murmurou:

- "Com a minha voz clamei ao Senhor: levantei a minha voz a Deus, e Ele me atendeu".

- Que é isso, meu filho?! - perguntou Arnaldão, sem entender nada.

- Sapienciais, Livro de Salmos, salmo 76 - João Jó lembrava-se de seus estudos bíblicos na igreja; havia citado o Velho Testamento.

-Sei - concluiu Calixto, um pouco imponente. - E aí?

- Hoje, quando estava saindo do escritório, vi um sujeito botar uma placa procurando um vigia para noite - explicou João Jó.

- Tem vaga?! - animou-se Edmundo.

- Só que seu pai tem de chegar cedo! Sei que só atendem depois do meio-dia, mas pode acreditar: vai ter gente desde as oito.

Edmundo não perdeu tempo. Sabia que o amigo dispensava o agradecimento. Foi correndo para casa.

Cosme ouviu a novidade deitado. Fazia muita força para manter os olhos abertos. Edmundo acabou arrancando o pai do sofá e o obrigou a tirar o uniforme. Disse que precisava passá-lo.

Enquanto o filho estava esperando o ferro elétrico aquecer, Cosme disse várias vezes:

- Pode deixar, filho. Eu vou acordar.

Antes de cair dormindo.

Na manhã seguinte, Cosme se levantou com Edmundo. Vestiu o uniforme bem passado. Sentiu-se sonolento. Decidiu fazer um café. Edmundo não podia esperar pelo pai. Já estava atrasado.

- Não se preocupe, filho. Tomo o café e vou embora.

Mas, por via das dúvidas, o garoto pediu a um vizinho que tocasse a campainha de sua casa meia hora depois.

A manhã foi de muito trabalho. Nem teve tempo de almoçar, quanto mais pensar no pai. Para seu alívio, não precisava mais andar com Eugênio para cima e para baixo. Até evitada conversar com ele quando se cruzavam na firma ou na rua.

No meio da tarde, ligaram para o boy. Era o vizinho que se comprometera a acordar Cosme. Estava tocando desde cedo a companhia do apartamento, mas Cosme não atendia.

Justo naquele dia Edmundo não podia deixar o trabalho mais cedo. O escritório estava especialmente agitado. Tentavam entrar numa concorrência de obra pública. Um serviço grande, com uma verba alta envolvida.

Quando Plínio entrou apressado na copa, para distribuir as últimas tarefas da tarde para os boys, o garoto viu sua chance.

- Você, Edmundo, pega o atestado de idoneidade financeira da firma no banco - explicou Plínio. -Telefonei para o gerente e ele disse que já está pronto. Termina hoje o prazo da concorrência. Eu preciso desse documento até o fim da tarde sem falta, entendeu?

- Hum-Hum - respondeu Edmundo.

O boy estava distraído, ansioso. Conferia as horas no relógio o tempo todo. Até Eugênio percebeu

Edmundo saiu voando. Ainda eram quinze para as quatro da tarde. Decidiu passar em casa, antes de ir ao banco. Queria saber o que estava acontecendo com Cosme.

Já eram quatro e dez quando Edmundo chegou ao Treme-treme. Entrou no apartamento. As cortinas fechadas, penumbra. E:

- Cosme!

O homem estava deitado de uniforme no sofá. Todo amassado.

- Cosme!!!

- O que foi, filho?

- Esqueceu do lance do emprego?

Cosme levantou um pouco o rosto. Tentava colocar as ideias no lugar.

- Que horas são?

Edmundo nem respondeu.

- Perdi a hora - murmurou o pai, sentando-se.

- Não ouviu a campainha?

Cosme olhava para o chão.

- Eu perguntei se você não ouviu a campainha? - repetiu Edmundo, quase gritando.

Pai e filho ficaram um tempo em silêncio.

- Desculpa, filho.

O garoto não disse nada. Abraçou sua pastinha nova e encostou na parede. Desanimado. Cosme continuou olhando para o chão. Murmurou:

- Glória soprava no meu ouvido, quando precisava me acordar. Que mania!

De repente, Edmundo foi até a janela e abriu as cortinas. A luz do sol feriu a vista de Cosme. Voltou-se e:

- Pai...

Mas desistiu de falar. Na verdade, não sabia o que pretendia dizer. Nem sabia ao certo o que estava sentindo. Bateu a porta e foi embora. Eram quase quatro e meia ds tarde.

No elevador, lembrou-se de uma coisa estranha. Aquela fora a primeira fez que chamava Cosme de "pai"...

Só mundo chegou ao térreo Edmundo tomou consciência de que o banco já devia estar fechando. Saiu correndo. Como o pai, também tinha perdido a hora. E talvez o emprego.

As portas da agência bancária já estavam fechadas. O guarda não estava deixando entrar mais ninguém. Não adiantava insistir. Sem saber o que fazer, Edmundo sentou na calçada. Para pensar.

Nesse instante, viu Eugênio saindo do banco. Com um papel na mão: o atestado.

- Onde é que você andou?! - perguntou Eugênio.

- Tive... tive uns problemas

- Quando vi que não chegava, vim correndo para casa

Edmundo fez uma expressão tão incrédula que Eugênio perguntou:

- Fiz bobagem?!

- Vamos embora. O Plínio já deve estar querendo saber onde a gente se meteu!

Os dois boys saíram correndo juntos. Como um time de basquete subindo ao ataque.

Office-boy em ApurosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora