Coisas que a gente não sabe

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A Doceria Rebolo ficava numa alameda arborizada, cheia de lojas. O movimento era grande. Eram mais de sete horas e quem saía do trabalho aproveitava para ver as vitrines.

O expediente de Maria Isabel e Maria Paula também tinha terminado. Vestindo ainda seus uniformes, permaneciam na doceria.

- Você não vai pra aula? - perguntou Maria Paula.

- Já, já... - dissimulou Maria Isabel. - E você?

- Só dando um tempo - disfarçou a irmã.

De repente, uma voz conhecida feriu o ouvido de Maria Isabel:

- Surpresa!

Era Plínio que chegava no carro da firma, antes da hora combinara e fora do local combinado! Enquanto descia do automóvel, ele tentava decidir qual das duas era Maria Paula. De uniforme, era impossível diferenciá-las. Escolheu a que lhe pareceu menos surpresa com sua chegada para dar um beijo.

- Qual é, Plínio?! - reclamou a escolhida. - A Maria Isabel é ela.

- Eu sei, Maria Paula... - disfarçou Plínio. - Só estava cumprimentando a cunhadinha.

- Da próxima vez, não abuse.

Plínio se voltou para sua namorada. Ela estava distraída, preocupada com quem dobrava a esquina.

- Maria Isabel!

A garota não respondeu.

- Maria Isabel!! - insistiu Plínio.

Maria Isabel estava paralisada. Tinha acabado de avistar Eugênio chegando do outro lado da rua. Afastando Plínio de sua frente, a garota puxou a irmã pelo braço.

- Maria Paula, que maquiagem horrível! Toda borrada! Deixa eu dar um jeito nisso.

Maria Paula arregalou os olhos e disse:

- Não estou usando maquiagem!...

Maria Isabel apertou até machucar o braço da irmã, dizendo entre os dentes:

- Você vai ver se está usando ou não.

- Uiiii!

Plínio achou o comportamento da namorada muito esquisito. Mas precisava manter a pose.

Maria Isabel sussurou para a irmã:

- Estou precisando da sua ajuda.

- Por isso saiu com essa de maquiagem borrada? Que coisa mais antiga.

- Pode ficar queita um minuto?! Está vendo aquele garoto do outro lado da rua?

- Tem uma porção de gente do outro lado da rua.

- Não posso me virar e apontar! Não quero que me veja.

- De que adianta você ficar de costas se eu estou de frente? Somos gêmeas, esqueceu?

- Então se esconda!

- Aponte logo!

Maria Paula virou de leve seu rosto.

- Aquele ali. Do outro lado da rua.

- Qual é o problema?

- Marquei um encontro com ele.

- Você?! Minha irmã madura, crescida?!

- Vai me ajudar ou não?

- Se é pra passar a perna no seu namorado...

- Ele é só um amigo!

- Sei.

- O garoto é primo do Plínio.

- Agindo em família, hein?

Maria Isabel fuzilou a irmã com os olhos. Maria Paula não deu a mínima. Perguntou:

- Qual é o nome?

- Eugênio.

- Deixa comigo.

Maria Paula saiu na direção de Eugênio. De passagem por Plínio, deu um tapinha no rosto do namorado da irmã. Sorrindo misteriosamente. O rapaz ficou encafifado.

Maria Isabel chamou a atenção de Plínio:

- Olhe ali! Não é seu primo? Na outra calçada.

Eugênio perguntava para um vendedor de bilhetes onde ficava a Doceria Rebolo, quando ouviu:

- Eugênio, amorzão!

Ele se virou e deu de cara com Maria Paula. A garota não perdeu tempo: tascou um beijo no primo do Plínio. Só para provocar a irmã. Nesse momento percebeu que alguém a observava à distância: Edmundo.

O que se seguiu foi uma correria. Eugênio saiu atrás de Maria Paula, que saiu atrás de Edmundo, que saiu sem dizer nada. Somente algumas quadras adiante, um sinal vermelho para pedestres fez com que os três se reagrupassem.

- Espere um pouco! - pediu Maria Paula, ofegante. - Quero conversar com você!

- Mas eu não quero - respondeu Edmundo, olhando para o sinal à espera que abrisse.

- Que loucura é essa? - quis saber Eugênio, que chegara pouco depoos. - Pra que essa correria?

- Espere um pouco, Eugênio - disse Maria Paula. - Depois eu explico.

- Explica agora, ué! - intercedeu Edmundo, voltando-se para trás com os olhos vermelhos. - Não foi você quem aprontou essa?!

- Não aprontei nada!

- Como não?! Você não combinou de se encontrar comigo hoje à noite? - acusou o garoto.

- Isso é verdade? - perguntou Eugênio, espantado.

- É, mas... Tem uma coisa que vocês ainda não entenderam.

- Eu entendi - interrompeu novamente Eugênio. - Entendi tudo.

- Do que é que está reclamando, "patrãozinho"? - provocou Edmundo.

- Não me chame de "patrãozinho"!

- Por que não? Você tem tudo que quer, mesmo.

- Será que vocês não podem calar a boca um minuto pra me ouvir?! - berrou Maria Paula.

- Não precisa falar mais nada, não - resumiu Edmundo. - O melhor negócio é ficar com ele.

- Você acha que estou fazendo um negócio?

- E dos bons.

- É isso que você pensa de mim?

- É. - respondeu Edmundo, virando as costas e atravessando por entre os carros que passavam.

Maria Paula não foi atrás do garoto dessa vez. Sabia que ele não a ouviria. Além disso, ela também se sentiu magoada. Pela primeira vez na vida, não tinha se divertido passando-se pela irmã. Maria Isabel tinha razão, pensou: isso era mesmo uma brincadeira idiota.

- Você tinha mesmo marcado encontro com Edmundo? - quis saber Eugênio.

- É esse o nome dele?

- Não sabia?!

- Tem uma porção de coisas que a gente não sabe.

Disse isso e foi embora entre os transeuntes carregados de compras, sob o olhar atônito de Eugênio.

Office-boy em ApurosDonde viven las historias. Descúbrelo ahora