Três

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- Pedro, você está ai?

- Sim. Vamos brincar?

- Antes eu queria te fazer uma pergunta, posso?

- Claro, Daniel.

- Que doença você tem?

- Doença? Nenhuma. Pelo menos minha vó nunca disse nada pra mim e nem me dá remédios, você está sabendo de alguma coisa?

- É que no primeiro dia aqui em casa meu pai falou que eu não deveria brincar com você. Ele disse que você tem uma doença que passa pra quem chega perto, mas não sei o nome. Talvez eu tenha me confundido e seja outro vizinho, né?

*

Não sei em que momento das minhas memórias comecei a chorar. Quando me dei conta, o leite que eu esquentava já estava derramando no fogão e os sons no quarto indicavam que Daniel estava despertando. Lavei o rosto na pia da cozinha mesmo e me recompus rapidamente. Não teria como responder por qual motivo amanheci chorando.

Quando Daniel enfim chegou à cozinha, a sujeira já estava limpa e o café servido.

Ele não é muito comunicativo pela manhã e usei isso como vantagem, pois se começássemos a conversar eu acabaria com os olhos cheios de lágrimas por qualquer razão. Tomamos o café em silêncio e fui tomar banho. Aqui em casa a regra é: quem preparou a refeição não lava a louça e, mais uma vez, me aproveitei dessa vantagem para falar o menos possível. Sai do banheiro já vestido para ir trabalhar, fui direto até Daniel me despedir. Ao que tudo indica, minha tática de usar poucas palavras não funcionou muito bem. Pois tão logo entrei no quarto fui questionado sobre meu silêncio e também sobre algo que falei enquanto dormia.

Eu não sabia que falo enquanto durmo. Essa novidade não é nada boa, já que não controlo minhas palavras sonambulas e posso ter dito alguma besteira e arrumando um grande problema.

- Nós podemos falar sobre isso mais tarde, amor? É que eu já estou atrasado.

- Podemos sim. Mas, você vai ter que me explicar do que estava falando. Não adianta querer fugir.

- Mas eu não lembro. Deveria estar sonhando, não sei.

- Não, você não estava sonhando coisa nenhuma. Parecia ser bem real, Alberto. Agora vai para o seu trabalho, eu também tenho muita coisa para fazer por aqui.

*

Sai de casa com pressa. Primeiro porque perder o ônibus significa ao menos 30 minutos de atraso. Chegar 30 minutos atrasado no trabalho é o mesmo que encontrar o capeta no cartão de ponto, como eu já tenho problemas suficientes para lidar é melhor chegar 5 minutos mais cedo e passar na copa para tomar mais um café. Além disso, precisava me livrar do interrogatório do Daniel. Eu não sei o que falei enquanto dormia. Mas, pela forma como ele me questionou, certamente não foi nada bom.

Quando desci, encontrei o ônibus já parado no ponto. Para minha sorte isso é o mesmo que pouco mais de 100 metros do prédio e uma fila imensa esperava para entrar. Corri e consegui garantir que chegaria ao escritório no horário devido. Depois que passei a catraca meu pensamento era um só:

O QUE DIABOS EU FALEI DORMINDO?

Espero que tenha chamado o nome do meu ex-namorado. Isso seria horrível, mas muito melhor do que ter dito qualquer coisa relacionada ao pesadelo que tenho todas as noites. Qualquer palavra mal dita sobre a nossa infância pode significar o fim do relacionamento e até que Daniel vai me odiar para sempre.

***

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O Azul do Meu PassadoOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz