Vinte e dois

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Quando finalmente cheguei em casa, encontrei Daniel sentado no sofá da sala com o computador sobre as pernas. Eu não disse nada. Caminhei direto até o banheiro, tomei um banho e fui até a cozinha. Estava morrendo de fome. Ele já estava me esperando por lá.

- Onde você esteve o dia todo? O pessoal da editora ligou aqui e eu não soube o que responder. Depois retornaram dizendo que você avisou que não ia trabalhar e não deu mais detalhes. Poderia me explicar?

- Não.

- O que houve?

- Eu precisava de um tempo pra mim, só isso.

- E onde você gastou esse tempo? O que está acontecendo com você, Alberto? Por que tem agido de forma tão estranha ultimamente?

- Desculpa, mas eu ainda não posso te responder essas perguntas.

- Por que?

- Não tenho as respostas. Preciso de alguns dias para encontra-las.

- Isso tem alguma ligação com aquilo que você falou enquanto dormia outro dia?

- Talvez.

- Daniel, você conhece o meu pai?

- Infelizmente sim.

Ele não disse mais nada. Esperava que mil perguntas fossem feitas a partir da minha afirmação, mas o que eu recebi foi silêncio. Daniel evitou olhar diretamente na minha direção e respirou fundo. Não sei se como forma de se acalmar ou uma lamentação. Decidi não pergunta-lo nesse momento.

*

Voltamos do Rio de Janeiro e, ao que tudo indica, Osmar estava com saudades. Ele nos esperava na calçada de sua casa com o olhar odioso de sempre. Não falou nada naquele dia, pois eu e vovó entramos antes que ele tivesse tempo. Mas de certo modo eu senti que ele não iria continuar me dando paz como havia feito até então.

Voltei ao trabalho no dia seguinte. Recebi o vale alguns dias depois e levei o filme da câmera até a loja do seo Pedrinho, que ficava perto de casa, do lado do mercadinho do Laurinho, para revelar as fotos. Ele ficou feliz de saber que nós estávamos de volta à vizinhança e que eu tinha um trabalho "com carteira assinada e tudo". Entregou as 36 fotos e, como brinde, fez uma ampliada daquela que estávamos na praia. A foto tão linda que eu decidi comprar um porta-retratos pra ela.

Vovó amou o presente e o colocou ao lado da TV na sala.

Após alguns dias, Osmar mostrou que realmente não estava disposto a nos dar paz. Era feriado e, por isso, eu estava em casa - não tive aula e nem fui trabalhar. Vovó, pelo contrário, aproveitou a data para ir a uma exposição de arte com as amigas do curso. Eu garanti que ficaria bem sozinho e, de fato, estava aproveitando para colocar o sono em dia. Acordei com um barulho no portão. Era ele.

- Vem abrir a porta, eu tenho um presente pra você.

Ouvi os gritos e continuei dentro de casa. Não tinha motivo algum pra ele me dar um presente e eu senti medo. Por uma fresta da cortina consegui vê-lo na cadeira de rodas e, logo ao lado, uma mulher o acompanhando. Para minha surpresa, Osmar não estava com a esposa e sim com uma moça bem mais nova que eu nunca tinha visto. Fiquei curioso para saber o que estava acontecendo, afinal não falava com ele desde o acidente, mas mesmo assim não abri a porta e ele parou de gritar.

Caminhei de volta para o meu quarto e voltei a dormir em segundos. Minutos depois era a mulher quem gritava e pedia socorro no portão. Levantei assustado novamente e caminhei até a sala. Antes mesmo de abrir a janela ouvi que ela gritava que o menino dentro da casa (EU!!) tinha tentado abusar dela. Fiquei assustado com aquela gritaria e fui ver como ajuda-la. O tumulto já estava formado e em menos de 20 minutos eu estava algemado e dentro do carro da polícia. 

O Azul do Meu PassadoWhere stories live. Discover now