Vinte e três

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Eu estava desesperado e sem entender o que estava acontecendo. Para piorar a situação, o policial que dirigia o carro não parecia interessado em me explicar nada daquilo. Pelo contrário, mandava eu calar a boca e parar de chorar igual uma menininha.

Quando chegamos na delegacia, encontrei Osmar ao lado da mulher que me acusava. Eles estavam sentados de um lado do corredor e eu fui colocado bem de frente. Abaixei a cabeça, para evitar os olhos do meu vizinho e fiquei em silêncio enquanto os policiais passam por nós. Mesmo assim era fácil perceber que ele estava feliz em me ver com medo e sem ter os braços da minha vó para me amparar. Ele sorria, provavelmente pela primeira vez desde que o conheci, e cantarolava alguma música que eu não conhecia enquanto batucava nas rodas da cadeira que usava para se locomover.

Não sei quanto tempo fiquei esperando. Mas foi o suficiente para eu contar o número de cadeiras dispostas no corredor, eram 33, e quantidade de portas, sete no total. Além disso, reparei que todas as paredes eram úmidas e precisam de uma pintura – somado a isso, uma delas tinha uma foto do prefeito da cidade e um crucifixo. Ainda não sei o motivo disso. Quando finalmente ouvi meu nome ser chamado na sala no fim do corredor já estava com o pescoço doendo e espirrando, tamanho era o cheiro de mofo.

- Boa tarde, Alberto.

- Boa tarde.

- Eu sou o delegado Queiroz. Sente-se, por favor.

Sentei na cadeira em frente ao homem que, apesar de sentado, parecia ser bem alto e forte. Eu estava tremendo e meu rosto provavelmente estava inchado, de tanto chorar. O Queiroz percebeu isso e me ofereceu um copo d'água. Eu aceitei.

- Bom, Alberto, você poderia me explicar a sua versão do que aconteceu?

- Sim.

- Aquele é o Jonathan, escrivão aqui da delegacia. Ele vai anotar o que você estiver falando para que tudo fique registrado, ok?

- Tá bom.

- Pode começar.

Expliquei que fui acordado pelos gritos de Osmar e não abri a porta porque tinha medo dele. Disse que voltei a dormir e ouvir a moça gritar que tinha sido abusada e que, apesar de ela falar sobre o menino dentro de casa, eu fiquei desesperado e abri a porta para ajudá-la. De alguma maneira pensei que Osmar tivesse feito algo. Queiroz quis saber mais detalhes: há quanto tempo eu vivia ali, o motivo de ter medo do vizinho e onde estava a minha vó. Também o que eu fazia durante a semana e onde estudava. Respondi todas as perguntas e ele me mandou voltar para o corredor. Em seguida chamou Osmar e a mulher ficou ali, na minha frente.

A conversar com o delegado tinha sido tranquila, mas eu ainda estava desesperado e logo voltei a chorar. Arrisquei olhar a moça que me acusava algumas vezes, ela estava balançando as pernas e olhando envolta – exatamente como eu fazia. Sempre que nossos olhos se cruzavam, nós desviávamos o olhar rapidamente como se temêssemos um ao outro.

- Desculpa.

- O que?!

- Desculpa por fazer isso com você. Ele me chamou para um trabalho e quando você não abriu o portão, me ameaçou. Disse que se eu não gritasse iria contar pra minha mãe como eu ganho dinheiro. Entrei em pânico.

- Você tem que dizer isso pro Queiroz.

- Não posso. Desculpa.

Entrei em desespero. Eu certamente seria preso, pois a mulher não ia confessar e Osmar ainda seria usado como testemunha. Ele saiu da sala do delegado e Queiroz chamou a mulher. Ela foi super breve e então eu fui chamado novamente. Para a minha alegria, a mulher disse que eu não tinha feito nada. Mas não contou que Osmar pagou para que aquilo acontecesse. Para o meu desespero, Queiroz disse que eu só seria liberado quando minha vó fosse me buscar. Eu não tinha como entrar em contato com ela, pois em casa não tínhamos telefone.

*

Mesmo que nós não tivéssemos brigado, preferi dormir no sofá novamente. Diferente da noite passada, eu dormi como uma pedra e até sonhei que conhecia minha mãe. Ela era linda, mas não ficava feliz ao me ver chegando em sua casa em Nova Iorque.

Acordei com o despertador, que já estava no modo soneca. Tomei banho bem rapidinho e sai de casa sem tomar café, pois estava quase atrasado. O pessoal da editora não me questionou sobre a falta, só pediram para eu assinasse um papel dizendo que iria descontar minha ausência do banco de horas. Concordei, pois assim não ia ter desconto na folha de pagamento, e em seguida fui para a minha mesa. Não parei para o almoço, assim pude ir embora uma hora mais cedo e passar no teatro para encontrar com Nei, como tinha combinado.

Ele já estava me esperando na porta do teatro. Achei que iriamos para o bar, mas fui convidado a entrar e, logo em seguida, subir no palco. Nei sentou na beirada do palco e eu o acompanhei. Nunca tinha visto a plateia a partir daquele lugar e achei lindo.

- Deve ser emocionante ser aplaudido de pé, né?

- Sua mãe ama. E o público nunca deixa de se levantar pra ela.

- Ama? Você ainda tem contato com ela?

*

Expliquei ao delegado que minha vó estava fora da cidade e que não tínhamos telefone em casa. Ele me respondeu que em algum momento ela sentiria minha falta e, automaticamente, procuraria ajuda com a polícia. Eu não tinha opção, a não ser aceitar. Passei horas sentado naquela delegacia e nada da minha vó aparecer. O plantão de Queiroz acabou e quem o cobriu foi uma mulher, delegada Vieira. Assim que chegou, ela me chamou na sala e fez milhões de perguntas.

Eu já tinha respondido a maioria mais cedo. Mas voltei a dar as mesmas explicações.

Vieira pediu para um policial ir até minha casa e, se acaso você estivesse por lá, avisa-la sobre o meu paradeiro. Agradeci e voltei para o mesmo corredor.

O policial voltou na companhia de uma mulher. Ela foi conversar com a delegada e depois eu fui convidado a me juntar a elas. Recebi a notícia de supetão: vovó não me encontrou em casa, ouviu dos vizinhos que eu tinha sido levado pela polícia e teve um segundo AVC. Estava internada no hospital novamente. 

O Azul do Meu PassadoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora