Vinte e cinco

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Voltei para o abrigo bem desanimado. Não dormi naquela noite e no dia seguinte estava na porta da UTI bem cedinho. Depois que as visitas saíram, eu finalmente pude entrar. Caminhei até o espaço onde ela estava e falei sobre como estavam sendo os meus dias. A verdade é que eles estavam bem tristes sem ela, mas eu tentei parecer feliz.

Ela não abriu os olhos. Mas dessa vez tive a sensação que apertou minha mão quando eu me despedia.

*

Li o e-mail da minha mãe com os olhos marejados. Pela primeira vez na vida senti saudades dela, mesmo sem conhece-la. Queria muito poder sentir o perfume dela, jogar conversa fora ou preparar um jantar juntos.

Como nada disso era possível, peguei um ônibus de volta pra casa.

Para a minha infelicidade, o trânsito estava totalmente parado, ou seja, tempo o suficiente para relembrar essa loucura toda que é a minha vida e também para pensar no que dizer para Daniel, pois não tenho mais condições de adiar essa conversa. Acho que eu preferia falar no impulso. Ficar planejando só faz o sofrimento ser ainda maior e o fato é: não tem uma forma boa de contar que eu sou o Pedro e que quase matei o pai dele.

Aliás, essa semana eu descobri que ele está numa cadeira de rodas até hoje por conta do acidente e eu nunca paguei por isso.

*

Eu me despedi da minha vó e ela respondeu apertando a minha mão.

Voltei para o abrigo imaginando que no dia seguinte iria ouvir a voz dela. Dormi naquela noite tão bem quanto não dormia desde o dia que acordei com Osmar gritando no portão. No meio da noite, sonhei com ela. Dona Beth estava sorridente e fazendo o que mais amava: o nosso almoço de domingo. Nós comemos e, como sempre, ela brigou quando eu enchi o prato pela segunda vez. Depois ela me chamou para assistir um filme, mas antes me disse que ama me ver sorrir e que queria me ver sorrindo sempre.

Quando acordei, já sentia que ia receber a notícia. Mais do que isso, eu estava preparado para ela. Vovó tinha me preparado.

*

Num impulso, mandei salvei o número de telefone que estava na assinatura do e-mail da minha mãe na agenda do meu celular. Não sei o que estava esperando ao fazer isso, óbvio que eu não tinha créditos para fazer uma chamada interacional. E mesmo se tivesse, o que eu ia falar pra ela?

"Oi, mãe. Como eu falo pro meu marido que eu sou responsável pelo acidente que quase matou o pai dele?"

Não tinha o que dizer.

Ainda assim, salvei o bendito número e abri o WhatsApp em busca dela. Quando vi a foto, comecei a chorar. Minha mãe tinha o mesmo sorriso de dona Beth, minha vó. A foto do perfil dela me fez sentir como se estivesse vendo minha vó, com o sorriso de felicidade que ela tinha no rosto no último dia que nos vimos, antes dela sair para a excursão.

- Oi, mãe.

- Oi Alberto, tudo bem?

- Desculpa te mandar mensagem, sei que você não quer contato e eu entendendo. Mas eu estou com saudade da vó Beth e queria muito um conselho dela, vi sua foto e por impulso decidi te chamar. Desculpa.

- Não precisa se desculpar. Eu não sou tão boa com conselhos quanto ela era. Na verdade, eu queria muito os conselhos dela às vezes.

- Ela era incrível, né?

- A pessoa mais incrível que eu conheci

- Sinto saudades.

- Não sei pelo que você está passando, mas tenho certeza que as palavras que ela me disse antes de eu ir embora vão te ajudar: não tenha medo de fazer o que o seu coração está te dizendo para fazer. Encara o desafio e se não der certo, você sabe onde vai encontrar o meu amor. Alberto, a gente não se conhece ainda... mas agora você sabe onde encontrar o meu amor. Talvez não seja tão valioso quanto o dela, mas eu aprendi a amar com ela e você também.

O Azul do Meu PassadoWhere stories live. Discover now