SETE

3K 405 263
                                    


            Uma semana depois do meu aniversário Elay finalmente faz contato. Nunca ficamos antes tanto tempo sem nos falarmos, até porque nenhum de nós jamais ficou chateado um com o outro a ponto disso.

            Uma vez, quando tínhamos uns oito anos, brigamos por causa de um trabalho em dupla da escola que ela não quis fazer comigo, porque por ser de artes ela estragaria meu material com a sua falta de habilidade. Eu fiquei magoado por isso, por acreditar ser apenas uma desculpa, mas no fim fizemos as pazes, não aguentando ficar mais de uma hora brigados.

            Mas agora é diferente, estou chateado com Elay e ela não sabe sobre isso, então se ficou sem falar comigo por tanto tempo foi porque tinha mais o que fazer.

            Quando minha mãe bate na porta do meu quarto, interrompendo a criação de um novo desenho, e diz que Elay está na linha para falar comigo, meu coração dá uma pirueta. Ela me entrega o telefone sem fio e atendo com um "oi" vacilante.

            ― Quem é vivo sempre aparece! ― ela responde, com um pouco de mágoa na voz.

            ― Digo o mesmo ― rebato.

            Percebo que ao contrário do que eu imaginava, Elay está sim chateada comigo, o que me deixa confuso.

            ― Não fui eu quem fugi da minha própria festa de aniversário ― ela fala, parece estar com vontade de chorar e isso me deixa muito mal.

            ― Eu não estava passando bem ― digo, o que não é bem mentira.

            ― Mas você nem se despediu e não mandou nenhum sinal de vida depois.

            Fico sem resposta. Como posso contar a verdade? Que sei sobre ela e Samuel e que foi por isso que vim embora? Que não falei com ela porque estava submerso no orgulho? Falar a verdade tornaria tudo pior.

            ― Eu tentei me despedir ― digo, tentando fazer com que perceba. ― Mas não te encontrei.

            Ela fica em silêncio por alguns segundos e posso jurar ouvir as engrenagens do seu cérebro alienígena trabalhando.

            ― Deve ser quando Samuel tentou me beijar...

            ― O quê?!

            Ela dá uma risada contida e posso imaginar que suas bochechas estejam ruborizando. Enquanto a mim, estou totalmente sem cor.

            ― É, seu primo está caidinho por mim, acredita?

            ― Ah, é? Eu nunca teria imaginado ― reviro os olhos.

            Então Elay começa a colocar os pingos nos "i's", contando que Samuel a chamou para fora da garagem para lhe dar seu presente e que após entregar um lindo colar de contas, tentou beijá-la. Elay jura ter recuado, porque estava assustada pelas investidas que não esperava. Conforme conta, começo a me sentir um idiota, sei que ela está falando a verdade, já que é uma péssima mentirosa e estaria gaguejando caso fosse mentira.

            Ao final de toda a explicação, ela faz uma pausa e sua respiração pesa na ligação. Isso me acalma de um jeito estranho, como uma canção de ninar que minha mãe costumava cantar quando eu era pequeno e sentia medo do escuro. Sinto falta da minha amiga, mais do que sou capaz de admitir a mim mesmo.

            ― Você esqueceu meu presente, eu encontrei ― diz, depois de um tempo.

            Foi proposital, soube que ela encontraria o desenho sobre os pneus que eu estava sentado. Foi covardia, mas eu não seria capaz de entregar depois de ter ficado tão furioso com ela, já que possivelmente desencadearia uma briga.

Você Acredita em Humanos?Onde as histórias ganham vida. Descobre agora