OITO

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Particularmente, nunca gostei de romances. Filmes e livros com essa temática nunca me empolgaram como acontece com a minha pobre mãe, por exemplo. Em Star Wars, Han Solo e a Princesa Leia tiveram lá seu romance, mas não foi algo que tenha me feito suspirar ou imaginar como poderia ser.

Até agora.

Peguei alguns filmes da coleção da minha mãe e devorei em uma tarde, tentando entender o que está acontecendo comigo. Desde que beijei Elay na praia, tenho pensado tanto nisso que minha mente não é mais capaz de se prender em outros assuntos, estou sempre viajando para aquele momento e isso não pode ser normal.

Mas não encontro respostas no mundo da ficção e é por isso que vou atrás do diagnóstico de vovó. Pego a bicicleta de Cat, mesmo que mal saiba andar, e pedalo em zigue-zague, não proposital, até o outro lado da cidade. Pouco mais de meia hora depois eu chego, quando vovó sai de sua casinha de conto de fadas para me atender, jogo a bicicleta ao chão e digo com o pouco fôlego que me resta:

― Preciso da sua ajuda!

Há preocupação nos seus olhos e me sinto culpado por estar fazendo tanto caso de algo assim, então complemento para tranquilizá-la que só preciso de um conselho.

― Desde quando sabe andar de bicicleta? ― ela pisca e faz um gesto para que a acompanhe para dentro de sua casa.

Quando eu era criança, tive um acidente ao tentar aprender a pedalar, o qual carrego na memória, na pele enrugada do joelho e no risco prateado do meu queixo. Definitivamente, não possuo a menor aptidão para nenhum esporte, mas essa péssima habilidade parece um problema pequeno diante do que me assola no momento.

Vovó mora sozinha desde que meu avô faleceu, embora sua vizinha uns vinte anos mais nova a faça companhia todos os dias, fazendo também o serviço doméstico mais pesado que vovó já não consegue mais fazer. Ela já tem quase oitenta anos, embora seu espírito seja mais jovem que o meu.

Quando entro na casa pintada verde-limão, o aroma floral atinge minhas narinas me deixando mais tranquilo, tudo nesse ambiente me remete a lembranças felizes e, acentua uma pontada no estômago que sempre sinto ao lembrar da sensação dos lábios de Elay pressionados aos meus. Mal sabíamos o que estávamos fazendo, mas, mesmo assim a sensação foi espetacular. Empurro a lembrança para longe e me aconchego numa poltrona. Vovó está de pé, me encarando atentamente, mas agora mais calma.

― Não sei como começar ― confesso.

― Por uma xícara de chá, é claro ― ela arrasta seus chinelos para a cozinha e pega uma chaleira. ― Folha de laranja, presumo.

Na infância, quando eu e Elay ficávamos resfriados, quase sempre em conjunto, vovó corria para a minha casa e fazia com que Dona Jussara deixasse Elay por lá, para que ficássemos sobre seus cuidados. O chá de folhas de laranja era típico e tornava o incômodo resfriado numa coisa quase aconchegante. Sempre amamos o chá e às vezes até em plena saúde implorávamos para que vovó nos desse. Agora, eu mal me lembro do gosto.

Quando fica pronto e vovó serve uma xícara para mim e para ela, se acomodando logo em seguida na poltrona da frente, sou inundado por uma sensação nostálgica, o sabor do chá é incrível e as palavras de fato surgem.

― Elay me deu um presente de aniversário.

Vovó beberica seu chá.

― Espero que tenha gostado das galochas que eu te dei.

Vovó sempre me dá presentes estranhos que eu nunca uso, mas afirmo efusivamente que adorei as galochas azuis.

― E qual foi o presente de Elay?

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