VINTE E CINCO

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Minha mãe faz a típica lasanha de quando temos visitas para o jantar e eu como tanto que me sinto prestes a explodir. O clima se tornou muito mais descontraído depois que abrimos o vinho que o Senhor Gael trouxe, porque minha mãe e ele começaram a agir de forma engraçada e eu, Cat e Elay chegamos a rir de doer a barriga.

Depois do jantar, jogamos um jogo de tabuleiro da coleção de Cat, cumprindo a tradição dos velhos tempos. Até mesmo me sinto de volta aos 12 anos, quando eu achava que nada mudaria independente do que ocorresse. Claro que a sensação dura pouco tempo, sou disperso da fantasia quando minha mãe e o Senhor Gael começam a lamentar todas as coisas que mudaram.

― É uma pena que a tragédia tenha feito a gente se distanciar ― minha mãe comenta numa voz chorosa após lançar os dados. ― Jussara era a pessoa mais encantadora que poderia existir.

Às vezes me esqueço que minha mãe teve também uma melhor amiga e que a perdeu da maneira mais dolorosa possível.

Engulo em seco e olho para Elay, que está paralisada. Pensar na dor que sentiu (e ainda sente) sempre foi um motivo para que eu me culpasse por tê-la deixado passar por isso sozinha. No começo, eu vivia tentando falar com ela, ligava para o Senhor Gael e pedia para que ele passasse o telefone, mas ela se recusava a falar comigo. Então eu acabei desistindo.

Foi mais fácil fingir que ela não existia. Eu fiquei anos sem pronunciar seu nome em voz alta e todas as vezes que alguém pretendia entrar nesse assunto, eu me esquivava. Mas eu pensei nela, nunca deixei de me perguntar se deveria ter tentado mais uma vez.

Contudo, eu fui covarde. E sinto meu corpo pesar toneladas só de olhar para a expressão triste dela.

― Ela é... era ― o Senhor Gael engole em seco. ― Era mesmo incrível.

Quero sair correndo, mas não consigo mover um músculo sequer, então me limito a assistir a cena: minha mãe e o Senhor Gael se abraçam com os olhos cheios de lágrimas e Cat acaricia o ombro de Elay, que se mantém entorpecida.

― Mas tenho certeza de que ela não ficaria feliz com nossas lamentações ― minha mãe enxuga as bochechas e dá um sorriso vacilante. ― Estamos juntos, depois de tanto tempo, então vamos aproveitar por ela.

― Isso ― o Senhor Gael pisca algumas vezes para espantar o choro. ― Depois de tanta coisa, tantas mudanças, aqui estamos.

Ele olha para mim e encaro o tabuleiro. Sei o que ele quer dizer com isso.

― Olhe só para nossas crianças, Mirian, nem parece que corriam para lá e para cá num fôlego surpreendente.

Engulo em seco, sabendo bem o que está por vir: lembranças jogadas bem na minha cara.

― Ei, você se lembra quando Elay caiu da escada e ralou a ponta do nariz? ― minha mãe questiona animada. Gostaria de poder tampar os ouvidos. ― Thalles chorou ainda mais que ela.

Eles caem na risada, exceto eu e Elay.

Me lembro do dia, tínhamos uns sete anos e estávamos brincando de pega-pega dentro de casa, porque estava chovendo há dias. Elay acabou perdendo o equilíbrio na correria e caiu de nariz no chão. Eu chorei porque senti medo de perdê-la. Bom, não seria a última vez.

― Eu tenho uma foto desse dia ― minha mãe se levanta de supetão, indo atrás do álbum de fotografias. Finjo estar muito ocupado brincando com os dados enquanto ela não aparece.

― Aqui está ― ela volta carregando uma caixa de madeira, onde há todas as recordações que eu não gostaria de ter contato agora. Não na frente do motivo crucial.

Você Acredita em Humanos?Where stories live. Discover now