TRINTA E QUATRO

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Depois de muita conversa, brigadeiro de colher e alguns episódios de uma série policial de comédia, me despeço de Bianca. Eu poderia ficar por mais tempo, mas me lembrei do convite de Samuel para que saíssemos à noite e há algo que preciso fazer antes.

O sol está no auge da agressão física. A monotonia de um dia quente de verão me faz desejar ter o poder do teletransporte. Estou com tanto calor que poderia acampar dentro de um freezer.

Caminho com lentidão e sem firmeza, quase deslizando pela calçada. O maior empecilho é o calor, mas uma parcela de culpa se dá pelo destino escolhido: preciso visitar a minha antiga casa.

Essa ideia me veio a mente há algumas semanas, mas tentei ignorá-la com toda força. Mais cedo, quando escolhi o percurso mais longo apenas para evitar as memórias que a casa que vivi a maior parte da minha vida poderia trazer, senti a necessidade voltar de uma maneira arrebatadora.

Com mais uma confirmação sobre o sentimento que Thalles aparentemente teve por mim (ainda tem?), um novo nó de saudade foi amarrado no meu coração e decidi que está na hora de enfrentar os fantasmas.

Olhando fixamente para o chão, começo a me sentir tensa a cada passo dado. O som dos tênis batendo no concreto amplia-se no meu ouvido, assim como a respiração irregular e o coração acelerado. Quando enfim paro em frente ao tão familiar muro de tijolinhos, tenho vontade de vomitar.

Eu não vou conseguir.

Ergo o olhar e sou arrebatada pela visão da fachada da casa. As duas janelas em arco arredondado parecem olhos, é convidativo e ao mesmo tempo assustador. A pintura está um pouco descascada e há uma placa de aluguel fixada no portão. A casa vem servindo de estadia para turistas desde que partimos, mas o aspecto de abandono é grande. Os últimos inquilinos partiram há três dias, mas parece que ninguém entra nela há um bom tempo.

Trêmula pego o celular do bolso e abro a aba de mensagens com Thalles. Consegui seu número novo no nosso último encontro, quando ele foi me convidar para o seu aniversário. Sei que não devia, mas digito:

Você está em casa?

Ele fica online no instante em que a mensagem é enviada.

Digitando...

Estou, por quê?

Mordo o lábio inferior enquanto meus dedos deslizam pelo teclado.

Você pode vir me encontrar? Estou na minha antiga casa.

Meu rosto queima violentamente enquanto aguardo a resposta. Preciso conter a vontade de jogar o celular longe e sair correndo. Não sei se serei capaz de encará-lo depois do que Maia me contou.

Ele sempre foi louco por você.

Chego em um minuto.

A resposta transforma todos os órgãos na região da minha barriga em geleira. Fico trocando o peso da perna e estalando os dedos até que Thalles dobra a esquina e aparece no meu campo de visão. Assisto ele se aproximar com passos largos, as mãos enterradas nos bolsos da bermuda. Está usando uma camiseta simples branca, que evidencia todas as suas tatuagens. Tenho a impressão de que cresceu alguns bons centímetros do dia para a noite.

― Obrigada por vir ― agradeço, cogitando para onde direcionar meu olhar. Tanto a casa quanto Thalles são opções difíceis, então acabo fingindo distração com um fio solto do meu shorts jeans.

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