Capítulo I

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Olhei no relógio, que já marcava nove e meia. Marcus, onde você está, seu bunda mole?, pensei batendo o pé no chão. Ele sempre se atrasava, mas dessa vez ele estava passando dos limites. Isso que dava deixar seu melhor amigo no apartamento sozinho com o namorado no telefone. Provavelmente eles estavam falando de como a semana tinha sido para cada um, já que é a primeira vez em oito meses que ele e Sam ficam separados. Maldita tinha sido a hora que eu decidi deixar os dois sozinhos , pensei olhando para o lado. Uma Ferrari acabava de dobrar o caminho, chamando a atenção de todos que estavam na rua. Exibido., revirei os olhos pensando no quanto eu desprezava o dono daquela Ferrari e o quanto eu odiava as noites da semana nas quais eu tinha que sair para um bar enquanto ele fazia orgia com seus amigos e não conseguiam controlar os gritos das vadias que andavam com eles.
Eu havia me mudado para a casa de Marcus há pouco mais de seis meses e, nesse tempo, desde o primeiro dia eu desejei não ter conhecido o vizinho odioso e exibido que Marcus tinha. Eu devo admitir, ele era um dos homens mais bonitos que eu já tinha visto. Com seu um metro e noventa de altura, seus braços fortes e peitoral firme - além dos olhos esverdeados -, eu podia jurar que ele tinha saído de um dos livros de romance que eu costumava ler. Mas juntamente com um porte físico tão visto por mim em meus livros, vinha a sua tremenda galinhagem e exibicionismo exagerado. Quando eu encontrar alguém, tomara que ele não seja tão desprezível quanto esse homem, pensei vendo-o descer do carro com uma garota em cada braço. Ele jogou a chave para o porteiro pedindo que ele colocasse o carro no estacionamento e lhe dando uma boa quantia de dinheiro.
- Vamos, Alana? – Marcus apareceu ao meu lado fazendo com que eu me virasse para ele.
- Amém! Pensei que você nunca ia descer. – Disse, olhando para ele. – Pegou tudo?
Aham. – Ele me abraçou. – Você vai ficar bem aqui sozinha? – Ele perguntou se separando de mim para me olhar.
- Mas é claro que sim, não é como se algum vizinho tarado fosse me atacar. – Falei, vendo o vizinho de Marcus virar seu rosto enquanto passava para mim. Ele me encarava como se soubesse que eu estava falando dele. Ele poderia ser um ser desprezível, mas seus olhos faziam com que minhas pernas tremessem na base.
- Eu quero que você tome cuidado, tudo bem?
- Sim, senhor, general. – Falei, batendo continência.
- Eu estou falando sério, Alana. Você vai ficar sozinha no apartamento por quase três meses, sabe-se lá o que pode acontecer.
- Marcus, você não vai se atrasar para o seu voo? – Perguntei, começando a empurrá-lo em direção ao táxi.
- Eu não sei não, Alana, não gosto de te deixar aqui sozinha.
- Eu sei me cuidar, Marcus. – Falei parando em frente ao táxi e abrindo a porta. – E o que pode acontecer de mal? Eu vou passar a maior parte do tempo no hospital, esqueceu que eu trabalho nele na maioria das noites da semana?
- E eu odeio que você tenha que ter de fazer isso. Você acabou com todas as nossas idas ao bar trocando de horário naquela droga.
- Você sabe que eu não gosto muito de bares, Marcus. O seu estilo de vida é totalmente diferente do meu.
- Claro. Você é praticamente uma santa e eu, bem, eu sou quase a encarnação da imoralidade. Quer dizer, depois daquele ali. – Ele apontou com a cabeça para o seu vizinho. – Eu ainda me pergunto como ele consegue.
- Você não é o único. – Respondi abaixando a cabeça. – Boa sorte com o Sam.
- Eu vou sentir sua falta. – Ele me abraçou outra vez. – Não se esquece de trancar a porta quando for para o seu precioso hospital.
- Está bem, papai. Agora vai, antes que você perca o seu voo e o Sam me ligue falando coisas não muito agradáveis.
- Eu te amo. – Ele falou antes de entrar no táxi. Marcus me jogou um beijo à medida que o carro ia se movimentando, desaparecendo na esquina.
Girei meus calcanhares, voltando para o prédio, passei pelo hall dando um breve aceno para o porteiro e continuei meu caminho até chegar ao elevador. Dez horas. Eu estou meia hora atrasada, pensei apertando o botão do elevador. Hoje era o último dia que eu iria trabalhar no turno da madrugada antes das minhas esperadas férias. Eu amava trabalhar como voluntária, mas, como qualquer ser humano, eu precisava de minutos para relaxar. Uma coisa que eu nem conseguia quando estava em casa, pois certo vizinho não conseguia entender o significado da palavra descanso e dava festas de arromba para que todo o prédio ficasse sabendo. Eu até aconselhei Marcus a se juntar com o comitê de síndicos do prédio para que essas festas parassem, mas, segundo ele, o seu vizinho não estava fazendo nada de errado. Ele não está infringindo regras, ele dizia.
A porta do elevador se abriu, fazendo com que eu levantasse meu olhar, e nele estava a única pessoa que eu desejava não ver naquela noite. Entrei no elevador sem olhá-lo.
-Sobe ou desce? – Ele perguntou quando entrei no elevador.
- Desce. – Respondi, ficando ao seu lado e vendo-o apertar o botão do estacionamento.
Eu nunca tinha conversado com ele e muito menos ficado sozinha com ele. Eu não sabia nem ao menos seu nome, o que eu sabia é que sua presença me incomodava, e muito. Eu o odiava desde o momento em que tinha colocado os olhos nele, mesmo sabendo que não era certo julgar alguém sem conhecer, mas eu não conseguia sentir nada mais do que ódio por esse homem. Não sei se era por causa das suas festas que iam até altas horas, me arrancando o sono, ou o fato dele sempre me olhar como se quisesse descobrir cada parte do meu corpo, do mesmo jeito que ele faz com as garotas que o acompanham até seu apartamento.
Agradeci mentalmente quando as portas do elevador se abriram e eu pude sair do elevador, andando rápido até meu carro. Eu escutava passos atrás de mim fazendo com que eu virasse meu rosto para trás, vendo-o dar passos lentos e fazendo o mesmo caminho que eu. Ele sorriu e eu não pude resistir em revirar os olhos. Abri a porta do meu carro, entrando no banco do motorista, liguei-o e esperei que ele passasse pela traseira, indo em direção ao porta-malas do seu carro.
Tirei o carro da vaga tendo uma bela visão da sua bunda enquanto ele tirava algemas de lá. Revirei meus olhos arrancando com o carro e saindo do estacionamento, escutando meu celular vibrar em cima do banco do passageiro. Peguei o celular olhando no visor: Rose. Eu realmente estou muito atrasada, pensei passando o sinal antes do hospital. Estacionei meu carro na vaga dos funcionários, abrindo a porta do carro para sair logo em seguida. Acenei para o segurança que estava na porta do hospital segurando-a, esperando que eu passasse, e agradeci quando passei por ele.
- Você está atrasada. – Rose falou quando passei pela recepção.
- Desculpe-me. – Falei olhando para ela – Marcus quase não saiu de casa.
- Ele deve estar preocupado em deixar você sozinha.
- Eu ficarei bem. Ele faz tempestade em copo d'água.
- Eu entendo. Lembro quando ele entrou aqui gritando por meu nome dizendo que você tinha quebrado a bacia porque caiu no banheiro.
- Está vendo? Ele é mais histérico do que mulher em dia de promoção na Channel.
- Mas, se você quiser, você pode ficar lá em casa, sabe? Meu filho mora sozinho agora e tem uma cama sobrando.
- Rose - segurei em suas mãos –, você é um anjo. Obrigada pela oferta, mas eu vou ficar bem. E se algo der errado eu prometo que vou ficar com você, tudo bem?
- Tudo bem. – Ela beijou minhas mãos. – Agora vai lá, parece que eles não querem dormir sem dizer adeus para você.
- A enfermeira Johnson vai me olhar com tanto ódio. – Falei, fazendo careta. – Deixe-me ir lá. – Falei começando a andar pelo corredor.
- Alana. – Rose me chamou fazendo com que eu virasse para ela. – Obrigada por vir. Eu sei que seu turno já acabou e suas férias já começaram e você não precisava estar aqui, então, obrigada.
- Basta gritar, Rose. Eu estarei aqui. – Falei antes de recomeçar o caminho.
Eu era voluntária naquele hospital há mais de dois anos, as crianças das quais eu cuidava eram crianças que estavam em estado de recuperação de cirurgias ou precisavam ficar em observação. Eu frequentava esse hospital há tanto tempo, mas o mesmo sentimento acontecia quando eu entrava naquele corredor. Esse hospital não me trazia boas lembranças e enquanto eu atravessava o corredor em direção à ala da pediatria eu sentia um calafrio percorrer toda a minha espinha. Não seja fraca, Alana. É passado., pensei entrando na ala e vendo todas as crianças acordadas e conversando alto.
- O que ainda vocês fazem acordados? – Perguntei cruzando os braços.
- Tia Alana. – Eles gritaram ao mesmo tempo.
Naquela sala de recuperação havia quatro crianças: Jenny, que se recuperava de um transplante de rim; Jeremy, que estava em observação porque sua alergia tinha atacado outra vez; Kyle, que se recuperava de um resfriado que quase virou pneumonia; e Sansa, uma garota que acabava de descobrir que tinha perdido o movimento das pernas. Sansa era corredora na sua antiga escola, mas seu sonho tinha sido interrompido quando ela sofreu um acidente de carro, ela tinha sido a única que tinha sido machucada gravemente. Sansa tinha que permanecer no hospital, pois seus avós não podiam ficar levando-a para o local.
Jenny, Jeremy e Kyle colocaram seus braços ao redor de minha cintura, quase me esmagando em um abraço. Sansa estava conversando com a enfermeira Johnson ,quando ela me olhou com reprovação, apontando para o relógio. Sussurrei um desculpa e a vi trazer Sansa, que estava na cadeira de rodas, para perto de mim.
- Olá, meus amores. – Falei me abaixando para ficar na altura deles. Abracei cada um separadamente. – Olá, Sansa. – Falei me levantando e dando um beijo em sua testa. – Vocês não acham que está um pouco tarde para vocês ficarem acordados?
- Tia Alana, nós fizemos uma coisa para você. – Sansa falou me estendendo uma caixa.
- Obrigada. – Falei pegando a caixa e abrindo-a.
- É uma pulseira. – Jeremy falou enquanto eu retirava a pulseira da caixinha. – Tem a inicial de cada um daqui.
- Provavelmente você não vai estar aqui quando nós tivermos alta, então queríamos que você se lembrasse um pouco da gente. – Sansa completou.
- Eu nem sei o que dizer. – Falei olhando para eles. – Em anos que eu sou voluntária aqui, nenhuma das crianças me deu um presente desses. Claro que eu ganhei cartas, que ainda estão comigo, mas mesmo assim, esse é um dos melhores presentes que eu já ganhei. Muito obrigada. – Falei abraçando cada um deles.
- Nós é que agradecemos, Tia Alana. – Jenny falou – Se não fosse você, nós não teríamos passado por isso tudo.
- Você coloca pra mim, Kyle? – perguntei estendendo a pulseira para ele. Kyle pegou a pulseira e a colocou em meu braço. – Pronto. Agora vou ter uma lembrança de cada um aqui. E agora, todos para cama. – Falei, apontando para suas camas. – Deixe que eu levo Sansa em direção a sua cama.
- Quando todos eles forem embora, eu continuarei aqui. – Sansa disse olhando para mim.
- E você guardará eles para sempre em seu coração e vai dar espaço para os novos que aparecerem. – Falei parando em frente a sua cama, dando a volta ao seu lado. Peguei-a no colo, deitando-a na maca.
- Você realmente precisa ir? – Ela perguntou enquanto eu colocava o lençol em cima dela.
- Preciso. – Falei tocando em sua mão.
- Você volta?
- Mas é claro que sim.
- Meu irmão também disse isso para mim, e no final ele acabou nunca mais voltando. – Ela abaixou a cabeça. – Ele me deixou sozinha.
- Então toda vez que você se sentir sozinha você chama a enfermeira Rose e pede para que ela ligue para mim. Eu vou vir tão rápido que você não vai poder nem terminar de falar bazinga. – Eu disse dando um beijo em sua testa. – E pra você nunca me esquecer - falei, abrindo o zíper da minha jaqueta de couro preta – você vai poder ficar com minha jaqueta preferida.
- Mas é sua jaqueta preferida! – Ela falou pegando a jaqueta.
- Eu sei que você gosta dela.
- Obrigada, Alana. – Ela jogou os braços ao redor do meu pescoço.
- De nada, Sansa. Agora vamos dormir que o dia pra você é sempre cheio. Parece mais uma celebridade.
- Boa noite.
- Boa noite, meu amor.

Dirigi de volta para casa com um sorriso em meus lábios. Eu sentiria falta daquelas crianças; elas haviam marcado minha vida como nenhuma criança havia feito antes, especialmente Sansa, que, apesar de ter todos os motivos para não sorrir, sempre passava pelos corredores do hospital com um sorriso no rosto. Uma garota a qual eu admirava, mesmo tendo pouca idade. Uma garota que perdeu tudo e ao mesmo tempo tem tudo que deseja em mãos. Sansa era uma garota forte e, quando soube que possivelmente não poderia mais andar, não deixou nenhuma lágrima cair em seu rosto para que sua avó não visse o quanto ela estava triste em ter que desistir do seu sonho. Eu me lembrava bem do dia em que Sansa recebeu a notícia, e eu me lembrava, porque eu havia a havia dado. Ela tinha agido como uma guerreira deixando sua avó chorar em seu ombro e não derramando uma lágrima, e desde esse dia eu jurei que nunca a deixaria sozinha e que faria com que ela se sentisse especial.
Estacionei meu carro na vaga, batendo a porta na porta do carro do vizinho de Marcus. Com certeza, eu não vou me desculpar por isso, pensei andando até o elevador. Olhei no relógio e já passava das onze, achei estranho quando entrei pelo corredor do meu apartamento e não havia nenhum sinal de barulho, de música alta ou de vadias gritando. Acho que alguém finalmente aprendeu a frase "eu sou um incômodo" e foi, finalmente, fazer suas orgias em outro lugar , pensei, rodando a chave e destrancando a porta.
- Droga! Será que ninguém vai aparecer para me ajudar?. – Escutei um grito ecoar pelo corredor. Olhei para os dois lados, não vendo ninguém, e dei de ombros, abrindo a porta e fazendo com que ela fizesse barulho - Ei, você. Você que abriu a porta agora, você poderia vir aqui? Pelo amor de Deus, eu estou desesperado. – Coloquei meu pé direito dentro de casa ignorando a voz. – Eu sei que você está aí, por favor, vem me ajudar. - Bufei, dando-me por vencida. Estúpida foi a hora que eu decidi voltar para casa mais cedo do hospital, pensei andando em direção ao apartamento que ficava em frente ao de Marcus. Empurrei a porta, que estava aberta, e eu pude ver pela fresta que a casa estava completamente detonada –Eu estou aqui no quarto. - Escutei a voz ecoar de um corredor e me dirigi até ele.
- Oh, Deus! – Falei colocando as mãos em meu rosto. O vizinho de Marcus estava completamente pelado em cima de uma cama de solteiro com apenas o quadril para baixo coberto por um lençol e com as mãos algemadas na cama. – O que você está fazendo?
- No momento, nada. Mas antes...
- Por favor - falei abrindo os olhos –, me poupe dos detalhes. – Falei olhando em volta. – O que aconteceu aqui?
- Eu fui assaltado.
- E por que ele te deixou pelado em cima de uma cama? Ele por acaso era gay?
- Não. Eram duas loiras gostosas que subiram comigo e com meu amigo. Eu disse que aquele bar não era confiável, mas ele não me ouviu e acabou nisso: eu amarrado nessa cama e ele desacordado no outro quarto. Eu deveria ter desconfiado quando ela pediu aquelas algemas, eu pensei que ela...
- Entendi. – Interrompi. – Você é um burro que não sabe escolher mulher. O que você quer que eu faça?
- Se não for pedir muito, eu queria que você me soltasse.
- Onde está a chave?
- Ela está aqui atrás. – Rle apontou com a cabeça para a prateleira em cima de sua cama. – Mas você tem que subir pela cama. – R antes que ele pudesse pronunciar alguma outra palavra, eu subi em cima da cama colocando meus pés um de cada lado do seu corpo. Ele era praticamente do tamanho da cama de solteiro, e o pouco de espaço que sobrava eu havia colocando meus tênis sujos. Avistei um brilho em cima da prateleira ficando na ponta dos pés para pegar a chave.
- Você está sujando meus lençóis com seus tênis sujos. – Ele gritou. Sentei em cima de seu tronco, apenas um pouco acima de seu membro.
- Já conhece a palavra lavanderia? – falei rolando com a chave entre meus dedos – Bem, está na hora de começar a usá-la. – Ironizei, me inclinando um pouco para o lado para tirar a algema de uma de suas mãos. Ele deixou sua mão cair no colchão fazendo uma cara de alívio enquanto eu tirava o outro lado da algema. Levantei-me, pulando da cama e começando a andar em direção a porta.
- Ei! – Ele me chamou fazendo com que eu virasse para ele. – Obrigado.
- De nada.
- Eu não sei seu nome.
- Alana. Meu nome é Alana.
- Muito prazer, Alana, eu sou Ian. – Dei um breve aceno antes de continuar meu caminho até a saída de seu apartamento.

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