Capítulo VIII

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- Boa tarde para você, que saiu cedo sem nem ao menos dar bom dia. - Marcus falou logo quando entrei na cozinha. Eu não sabia por que, mas o sarcasmo de Marcus não estava na lista de coisas que eu queria aguentar hoje.
- Fui ao hospital conversar com a enfermeira Rose. - Falei, jogando-me no sofá. - Ela quer ajuda para treinar a nova voluntária, já que, em sua opinião, eu deveria me afastar do hospital muito mais do que três meses.
- E por que ela acha isso? - Ele perguntou sentando-se ao meu lado. - Você trabalha lá faz o que? Três anos, né? E pelo o que você me disse, todo mundo gosta de você por lá.
- O problema é que ela acha que eu devo viver minha vida, sabe? Deixar de me enfiar lá dentro para fugir do mundo lá fora.
- 1000 pontos para a enfermeira Rose. - O olhei com um olhar de poucos amigos. - O quê? Você sabe que ela está certa. Você passou tanto tempo naquele hospital que os pacientes estavam até te confundindo com uma médica de verdade. - Sorri sem humor. - Por que você não tenta voltar àquela empresa em que você trabalhava? Seu chefe parecia gostar do seu trabalho publicitário, seus golpes de marketing pareciam agradar os clientes... Aposto que ele te aceitaria de volta.
- Você esqueceu que eu já tenho um trabalho?
- Mas isso não conta, né? Você faz um desenho ali, um anúncio aqui, uma frase e mais outro desenho ali e tudo isso para o seu pai. Isso não é um emprego de verdade.
- Mas é claro que é! A única diferença é que eu não trabalho dentro da empresa, sou mais como uma consultora.
- Grande bosta!
Marcus tinha razão. Trabalhar para o meu pai não era bem um trabalho, era mais como uma desculpa para ele colocar dinheiro na minha conta para que eu não morresse de fome, sendo que isso estava longe de acontecer já que a herança que minha mãe deixou para mim podia me sustentar por essa vida e por mais duas se fosse possível.
Papai trabalhava na Inglaterra, ele era presidente de uma empresa publicitária que ele e mamãe construíram juntos. Ela era a criatividade e ele a parte administrativa. Eles começaram fazendo um bico aqui, outro ali, até que um dia estava tendo pedido de todos os lugares do mundo. A empresa tinha crescido tanto que papai teve que se mudar para a Inglaterra quando uma filial foi aberta lá. E se adicionarmos o fato de que a única coisa que o segurava na América era minha mãe e ela já não estava entre nós, ele decidiu começar uma vida nova em seu país de origem.
Obviamente ele insistiu que eu fosse com ele, mas como eu estava na faculdade e morria de amores por James fiz tudo em meu poder para ficar e viver minha vida sem ele.
- Quando foi a última vez que você falou com seu pai? - Marcus perguntou, ligando a televisão.
- Ontem. Ele pediu conselhos sobre uma nova campanha e também alguns rascunhos para que ele mostrasse para seus novos estagiários para eles terem uma luz do que ele queria.
- Você sente muito a falta dele?
- Tanto que nem cabe no meu peito. - Fazia meses que eu não o via e normalmente não sinto sua falta no dia a dia, porém quando a saudade batia, ela vinha de uma vez e de forma tão avassaladora que eu quase não podia conter a vontade de pegar um avião e ir para Londres. - Quero visitá-lo. Ontem mesmo estava pesquisando passagens para Londres.
- Você pretende passar quanto tempo lá?
- Não sei, dois meses talvez.
- Eu apoiaria totalmente essa ideia. Seria bom você se desligar daqui um pouco, se afastar de certos vizinhos gostosos que vagam por esse corredor. - Assim que ele terminou a frase, a campainha tocou e Marcus me olho assustado. - Diz que você está esperando alguém.
- Eu não.
- Ah, não! - Marcus colocou as mãos no rosto. - Não acredito que ele fez isso.
- O que foi, Marcus? - Perguntei, me ajeitando no sofá.
- Sam me ligou ontem. - Ele disse tirando as mãos do rosto e olhando para mim. - Ele disse que me ama, que me quer de volta e iria fazer tudo que eu quisesse se fosse possível.
- E o que isso tem a ver com quem está na campainha?
- Bem, eu disse que ele podia vir aqui para conversarmos.
- Marcus! - O repreendi. - Você não deveria ter feito isso.
- Por que não?
- Ele te traiu, Marcus.
- Eu sei disso, mas eu o amava muito, ainda amo. Por que eu não posso perdoá-lo?
- Porque ele é um traidor.
- Você está sendo muito radical, parece até que você nunca fez nada de errado.
- Isso não tem nada a ver com o assunto em questão.
- Mas é claro que tem, Alana. Todo mundo erra, até você. Eu sei que o que ele fez parece um ato imperdoável, mas eu posso perdoá-lo e, se eu quiser, até dar a ele uma segunda chance.
- Mas e se ele fizer o mesmo, ou algo bem pior? - Abaixei a cabeça.
- Aí a culpa cairá sobre mim, porque eu escolhi ficar com ele outra vez. Pode ser que ele venha a me trair de novo, mas pelo menos eu lhe dei uma segunda chance e tentei; se ele não o fizer pode ser que nós fiquemos juntos para sempre ou apenas por 24 horas. Às vezes você tem que dar a cara a tapa pelas pessoas que você ama. O amor é sobre segundas chances, se você não der segundas chances para as pessoas, principalmente as pessoas a quem você ama, você nunca saberá se elas realmente estão arrependidas ou não. - Ele fez uma pausa. - Por que eu sinto que essa conversa não é sobre eu e Sam? - A campainha tocou de novo.
- Eu pensei que você não quisesse vê-lo. - O vi andar em direção a porta.
- Eu pensei que você odiasse o Ian, mas parece que você ainda quer que ele entre nas suas calças.
- Marcus! - Eu o repreendi me ajoelhando no sofá, de frente para ele. Ele riu e abriu a porta, mas seu sorriso logo desapareceu quando quem estava na porta estava muito longe de ser Sam. Na verdade, estava perto, precisamente do outro lado do corredor.
- Alana, Alana! - Sansa entrou no apartamento fazendo com que me levantasse.
- Sansa, Sansa. - Falei, vendo-a me abraçar pela cintura.
- Você não sabe a novidade. - A segurei pelas mãos. - Vem! - Sansa me puxou com a força de dois cavalos e me levou até a porta. Ela me guiou para fora do meu apartamento e entrou com tudo no apartamento do irmão.
Na sala de estar estava Ian, sem camisa, com o cabelo bagunçando e cara de sono, acompanhado de uma adorável senhora, que se não me engano, era a outra avó de Sansa, aquela que a visitava duas vezes ao ano porque morava do outro lado do oceano.
- Oh, minha querida Alana. - Ela se levantou e andou em minha direção. - Você está mais linda do que nunca. - Ela me puxou para um abraço. - E também mais magra. - Ela me soltou. - Seu namorado não está lhe dando comida não? James, esse é o nome dele, certo?
- Eu e James não estamos mais juntos, senhora Fontinelli.
- Oh, graças a Deus! Eu não gostava muito dele.
- Não se preocupe - Marcus falou fazendo com que eu olhasse para trás -, a senhora não era a única. - Ele passou direto por mim e parou em frente à senhora Fontinelli, lhe beijando a mão. - Eu sou Marcus, amigo gay e conselheiro amoroso da senhorita Bittencourt.
- Conselheiro amoroso? Bem, talvez o senhor possa me ajudar a convencer a senhorita Bittencourt a aceitar minha próxima proposta. - Ele assentiu. - Bem, como você já sabe, meu aniversário está chegando. - O aniversário de Fiona Fontinelli era um daqueles eventos que você via em revistas e desejava ardentemente ser daquele grupo de pessoas que parecia não precisar se importar se o som estava muito alto porque morava em uma casa tão grande que os únicos vizinhos ficam a metros de distância. - E como em agradecimento pelo que você fez por Sansa todos esse tempo que você ficou com ela no hospital, eu queria convidá-la para ir conosco para a Inglaterra. Eu sei que está em cima da hora, mas, querida, leve o tempo que for para arrumar sua mala. O avião ainda estará esperando de qualquer maneira. - Eu estava tão pasma que foi preciso Marcus me dar um beliscão para que eu finalmente tivesse uma reação.
- Eu... Eu não posso aceitar.
- Por que não?
- Quando eu faço o meu trabalho, eu não espero nada em troca. A senhora não precisa fazer isso, eu já tive o meu prêmio. Olhe para sua neta, ela está andando novamente e, para mim, não existe recompensar melhor do que ver minhas crianças bem e saudáveis.
- Mas isso não quer dizer que não você não possa comemorar.
- Eu vou comemorar do meu jeito.
- Ai, meu Deus! - Marcus falou fazendo com que eu o olhasse, assustada. - Dá para você parar de fazer doce e aceitar logo?
- Marcus! - Falei dando um beliscão nele. - Pelo amor de Deus, tenha modos.
- Ai, Alana! - Ele massageou seu braço. - Foi você que disse que queria ir para Londres.
- Está vendo, você já iria para Londres de qualquer maneira. - Ela me segurou pelos ombros fazendo com que eu olhasse para ela. - Eu não vejo por que você não aceitar, isso é o de menos comparado ao que você fez por Sansa quando ela ficava sozinha naquele hospital. - Ela pegou minhas mãos. - Eu quero lhe agradecer de alguma forma por ter ficado ao lado dela todo esse tempo, quando ela foi abandonada pelo próprio irmão e se viu sem esperança. - Olhei por cima do ombro de Fiona e vi Ian abaixando a cabeça. - Você foi a irmã mais velha que Sansa não teve e você pode achar que não, mas você merecia era uma festa em sua homenagem.
- Tudo bem. - Falei sorrindo. - Eu vou arrumar minha mala.
- E não pense que você escapará dessa, senhor Marcus. - Ela apontou para ele. - Talvez eu precise de alguns conselhos seus para arrumar o marido número 3. - Ela me abraçou. - Ian e Sansa vão levá-los ao aeroporto. - Ela me segurou pelos ombros. - O voo sai às quatro da tarde, não se atrasem. - Ela se despediu de Sansa, Ian e Marcus e saiu do apartamento.
- Eu sabia que você ia aceitar! - Sansa me abraçou pela cintura. - Nós vamos nos divertir tanto, você vai conhecer toda a minha família. Vovô está louco pra lhe conhecer e nossas tias também. Você vai amar a todos e todos vão lhe amar.
- E como você sabe disso? - Perguntei abraçando-a de volta.
- Os membros da família Jones/Fontinelli parecem gostar muito de você. - Ela olhou para o seu irmão, que estava sentado no sofá.
- Sansa, por que você não me ajuda a arrumar minha mala? - Marcus falou. - Alana disse que você tem bom gosto, principalmente porque você pegou aquela jaqueta de couro que eu paquerava há anos.
- Claro. - Ela se soltou de mim e correu em direção a Marcus, que a puxou para fora do apartamento. Olhei para Ian, que encarava a TV.
- Se você quer assistir TV, basta apertar o botão ligar no controle em cima da mesinha em sua frente.
- Inacreditável. - Ele abaixou a cabeça.
- O que foi?
- Você. - Ele apontou para mim. - Tentando fazer piada.
- Eu só estava tentando aliviar a tensão, mas já que você não quer. - Virei-me para a porta, mas antes que eu pudesse alcançá-la, ele me segurou pelo braço, fazendo com que eu me virasse para ele lentamente.
- Desculpe. - Ele disse, me segurando pelos ombros. - Eu não deveria falar com você dessa maneira, principalmente depois de tudo que você fez pela Sansa.
- E eu já disse que não preciso de tratamento especial só porque eu cuidei de Sansa.
- Não, você merece muito mais. - Ele sorriu. - Tudo que você fez por Sansa e por todas aquelas crianças, quem faz uma coisa dessas nos dias de hoje?
- Muita gente faz isso.
- Não, eles não fazem. Eu não fiz.
- Todo mundo tem seus motivos. Você teve seus motivos para fazer o que fez. - Falei colocando as mãos em seu rosto. - E, bem, eu gostaria de saber os seus motivos algum dia. - Fiquei na ponta dos pés dando-lhe um beijo na bochecha. - Só não hoje, eu tenho uma mala para arrumar. Estamos indo para Londres.

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