Capítulo VI

514 31 1
                                    

O chão debaixo dos meus pés simplesmente desapareceu e minhas pernas tremeram como se meus ossos tivessem virado gelatina, sem nenhuma sustentação. Irmão, essa pequena palavra rodeava minha cabeça e perfurava meu cérebro fazendo as lembranças retornarem diante de meus olhos, em especial a do dia em que a encontrei em um corredor vazio chorando porque seu irmão tinha a abandonado. Desde desse dia eu jurei ser a irmã mais velha que ela nunca teve. Ian era o irmão de Sansa, aquele mesmo irmão que a abandonou quando ela mais precisou e aquele mesmo que eu jurei torturar quando o encontrasse pessoalmente.
Engoli o seco olhando para Ian que olhava para Sansa com os olhos arregalados. Sansa apertou minha mão fazendo com que eu olhasse para ela e respirasse fundo, ela sabia que se não estivéssemos dentro do hospital e com tantas crianças ao nosso redor eu provavelmente pularia no pescoço de Ian e o faria sangrar até a morte. Nunca acreditei muito em tomar as dores dos outros e muito menos em usar violência para resolver problemas, mas quando se tratava de uma criança em uma situação como a de Sansa, a pior parte de mim, aquela pequena vadia sem coração e sem escrúpulos, tomava conta do meu corpo e fazia com que eu só percebesse o que estava fazendo quando a pessoa a minha frente estava no chão. O que eu normalmente não me arrependia de fazer, devo ressaltar.
- Vocês deveriam conversar. - falei quase sem voz fazendo com o que os dois olhassem pra mim. - O quê? Vocês são irmãos e deve ter muita coisa para conversar com todo esse tempo perdido.
- Alana. - Ian falou abaixando a cabeça.
- Não, Jones, você deve ficar com sua irmã e dizer a ela o motivo de você ter se ausentado todos esses meses. Sansa ouvirá com toda a atenção, não é, minha linda? - perguntei olhando para Sansa e soltando sua mão.
- Alana. - foi a vez de Sansa falar.
- Vou me retirar para que vocês dois possam falar a sós. - falei me afastando dos dois, indo em direção ao corredor por onde nós vimos. Encostei-me à parede sentindo meu coração acelerar e minha respiração falhar. Eu sentia meu sangue borbulhar dentro de minhas veias e toda a raiva tomar conta da minha mente fazendo com que eu pensasse em quantas maneiras possíveis eu poderia matar Ian Jones, fazendo-o sofrer do começo ao fim. Eu sabia que ele não era nem um santo, mas não sabia que ele poderia chegar ao ponto de deixar sua irmã sozinha em um hospital no momento que ela mais precisava. Entendo que pode ser uma barra ter que aguentar uma coisa como uma criança que tinha um futuro promissor indo parar em uma cama de hospital sem os movimentos das pernas, mas é pior ainda ter que aguentar tudo isso sozinha e ainda ter que ser forte do jeito Sansa fez. Eu admirava Sansa de todas as maneiras possíveis, gostaria eu ser tão forte a ponto de consolar minha avó no momento mais difícil da minha vida, e eu sabia disso porque eu conversava com ela e via em seus olhos quantos sonhos foram destruídos depois que ela sofreu o acidente. E isso fazia com que eu me perguntasse usando o mais variado tipo de palavrões em meu vocabulário: que porra o idiota do irmão dessa menina estava pensando? E como um filho da puta desse tem coragem de abandonar a irmã dele desse jeito?
Agora eu sabia a resposta e eu não gostava dela nem um pouco. Ian era bem pior do que eu pensava, ele não era só um galinha e mauricinho sem limite. Oh não, ele era muito pior que isso, ele não tinha coração, não sentia nem um pouco de compaixão e não sentia nenhum amor naquele coração que ele dizia que tinha.
E antes que eu pudesse pronunciar algo eu já estava do lado de fora do hospital, correndo em direção ao meu apartamento sem ao menos me importar em correr duas quadras. Eu só queria me trancar em casa e chorar até que meu estômago doesse e todas as minhas lágrimas secassem. Eu tive a pior decepção da minha vida com Ian, e mesmo que ele me traísse ou me tratasse que nem tratava as outras não doeria tanto quanto saber que ele era o irmão de Sansa.
Atravessei a rua e entrei pelo hall do prédio ofegante, o porteiro me olhou com os olhos arregalados enquanto eu passava em frente a portaria. Eu provavelmente estava toda descabelada e parecendo uma louca pela a cara que ele fez, mas eu não estava realmente me importando, eu apenas queria chegar em casa e me jogar no sofá, colocar minha coleção depressiva de filmes dramáticos, desejando nunca ter conhecido o vizinho odioso de Marcus.
- Alana, por favor, espera. - e mesmo sem querer eu parei de andar em direção ao elevador quando escutei sua voz ofegante. Virei- me para ele vendo-o apenas a alguns metros longe de mim, e então, tive que contar de um até dez para não pular no pescoço dele.
- Esperar? - perguntei, mandando toda a calma para o ar. - Você esperou até Sansa se recuperar? Pelo o que eu vi, não.
- Você não sabe a verdade, se você soubesse não estaria com raiva de mim agora.
- Nada que você disser vai fazer com que minha raiva por você diminua no momento.
- E se eu dissesse que eu fui o motivo dela estar daquele jeito? E se eu disser que eu estava dirigindo o carro? Mudaria alguma coisa?
- Era... - dei uma pausa e engoli em seco. - Era você dirigindo?
- Era sim. - ele abaixou a cabeça. - Nós estávamos voltando de uma festa de família, eu tinha bebido muito e fui dirigindo. A única coisa que eu me lembro foi de acordar em uma cama de hospital e um médico me dizendo que eu ficaria bem, mas minha irmã estava em uma situação muito grave. Eu fiquei ao lado de Sansa até ela acordar e no dia em que ela teve a notícia de que não iria mais anda eu fui embora e nunca mais voltei. - ele olhou pra mim. - Mas não teve um dia que eu não pensasse em Sansa naquele hospital, sem poder andar e me lembrando de que a culpa era minha. Eu queria ir lá, mas a culpa me consumia, e Sansa estava muito melhor sem mim.
- Melhor sem você, Jones? Ela precisava de você e de todo o apoio que você podia dar. Mesmo sendo o culpado, você é e sempre será o irmão dela.
- Tente entender, eu...
- Oh, Jones, você não está em condição de me pedir nada no momento.
- Por favor, Alana, eu sei que cometi um erro, mas isso não é motivo para você me tratar dessa maneira.
- E você quer que eu lhe trate como? 'Oh, Ian, está tudo bem. Você pode abandonar sua irmã quantas vezes quiser que eu estarei lá para cuidar dela' e então nós iríamos nos abraçar e seríamos o casal mais feliz do mundo.
- Não é hora para brincadeiras.
- Eu não estou brincando! - gritei olhando para ele. - Já que estamos falando sério, deixe-me perguntar uma coisa: Por que você abandonou Sansa?
- Como? Por que eu abandonei Sansa?
- É, Ian, porque você a deixou sozinha no hospital.
- Porque a culpa dela estar daquele jeito é minha.
- Sim, essa parte eu entendi. Então, por que você não voltou quando a poeira baixou? Você se sentia culpado, certo? Então por que você não voltou para tentar se redimir?
- Eu... Eu não sei.
- Oh, claro, mas eu sei. - falei dando dois passos para frente. - Você queria viver essa vida de mauricinho que transa com qualquer uma e usa toda a porra do tempo e dinheiro com coisas fúteis quando se podia estar ajudando alguém, ajudando a própria irmã. Ai, como eu lhe odeio, Jones! - Gritei, batendo o pé no chão. - E o único motivo de eu não arrancar esse seu coração e dar para alguém que precisa é porque eu não quero colocar minhas mãos em você nunca mais.
- Você não estava reclamando ontem quando elas estavam junto das minhas.
- Não, não estava, mas foi antes de descobrir que o coração que você diz ter só tem a função de bater, enquanto a função de sentir provavelmente apodreceu dentro de você. Ou, bem melhor, ela deve ter se afogado com tantas bebidas e vadias. - falei me virando para o elevador e entrando no mesmo.
A porta do elevador se fechou e junto com ele meu corpo desmoronou no chão junto com minhas lágrimas. Meu corpo borbulhava de ódio de mim mesma por deixar-me levar por um homem que eu prometi a mim mesma que nunca ia me meter. Pois garotos que nem Ian só se relacionavam com garotas como eu para usá-las como troféus de conquista, ele provavelmente se gloriava com seus amigos como o 'pegador da vizinha que o odiava, mas a fez gritar seu nome em alto e bom som'. O coração que ele mostrou que tinha para mim não existia, era só fachada, era só para me usar e depois me jogar fora, e eu não deveria parecer surpresa com tanta falta de respeito, pois Ian não seria o primeiro e nem ao menos o último a fazer isso. Fazer mulheres de bobas parecia ser uma função dos homens, uma função que eles adoravam.
Mas nada doía tanto quanto saber que ele era o irmão de Sansa. Oh não, nada estava doendo quanto isso e até a parte em que ele era uma cafajeste poderia dar jeito. Homens haviam mudado depois que conheceram as mulheres de sua vida, por que eu não poderia fazer o mesmo com Ian? Oh, claro, eu não era a mulher da vida dele. Ele não iria mudar do dia para noite porque finalmente seu coração tinha batido de uma forma diferente depois de olhar em meus olhos ou mesmo depois dos seus lábios tocarem os meus. Isso poderia acontecer em contos de fadas e poderia até acontecer com algumas pessoas no mundo de hoje, mas comigo? Por que isso aconteceria logo comigo? Digo, eu não tenho nada de especial. Meu cabelo não era o mais sedoso, meus olhos não eram os mais viciantes e meus lábios com toda certeza não eram os mais beijáveis, na verdade, eu praticamente era uma aberração do mundo feminino. Até por que, qual mulher teria Star Wars como coleção favorita para assistir nos finais de semana? Não poderia me chamar de uma nerd completa, mas eu preferia ficar em casa assistindo série e filmes do que sair para lugares barulhentos com Marcus.
A porta do elevador se abriu e eu finalmente me levantei, enxugando as lágrimas que desciam por meu rosto, eu ainda soluçava e minhas pernas tremiam a medida em que eu ia em direção ao meu apartamento. Abri a porta do mesmo percebendo-a aberta e quando eu menos esperei escutei a única voz que pensei que não escutaria por um tempo.
- Alana! - dois braços fortes me abraçaram pela cintura.
- Marcus? - falei segurando seu rosto entre minhas mãos fazendo-o olhar pra mim - O que você está fazendo aqui?
- Ele me traiu, Alana, ele me traiu. - ele me abraçou mais forte e começou a chorar.
- Vai ficar tudo bem, Marcus.
E então eu lembrei o quanto eu admirava Sansa em pensar apenas na dor dos outros em vez da sua.

Stay With MeWhere stories live. Discover now