6- GIULIA

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" Querido diário..." Olho para a folha ainda em branco, a muito tempo que eu passei a escrever para deixar minhas emoções transparecerem. O que uma garotinha de 12 anos tem para expressar? Talvez comece pelo fato de que passei a maior parte da minha vida na Capital, onde as pessoas são tão frias e egoístas que por mais rodeado de riquezas, joias e comidas deliciosas, você ainda sente como se faltasse algo, não precisa ser adulto para saber que não é bem vindo em algum lugar. Sem falar que não sou idiota e sei que meus pais nos abandonaram, e tendo sempre que lidar com o Leozinho sendo o centro das atenções, eu odeio a minha vida, talvez ir pra arena tenha lá seus deleites.

  Volto novamente minha atenção para o meu diário, e antes que pudesse perceber o que estava fazendo, as palavras saíram naturalmente.

" ... Odeio a minha vida, infelizmente essa é a única certeza que tenho agora. Parece que não importa o que eu faça, sempre que estou por perto as pessoas tendem a se machucar. Ontem foi o dia da colheita, eu sabia o que significava, eu sabia que a Capital matava crianças inocentes, mas ninguém me perguntou como eu me sentia, era a primeira vez que coloquei meu nome na colheita, e morri de medo"

  Risco a parte do medo, pois se alguém encontrar esse diário, não quero que pensem que sou uma garotinha fraca.

   " ... infelizmente nem o Al e nem a Mary estavam de fato preocupados comigo, eles estavam do lado do Leo, eles sempre acreditaram nele, eles sempre acharam que ele se sairia melhor, apesar de ser ligeiramente dois minutos mais velho, ele sempre conseguia fazer com que os holofotes virassem para ele, foi assim na Capital, foi assim no 9, ele sempre vai querer estar na minha frente, ele me acha fraca, diz que eu uso, como ele diz? Faquinhas de cozinha, na verdade são adagas e menti pra ele quando disse que a Mary me ensinou, na verdade, aprendi sozinha, deve ser algo genético, quem sabe de um dos meus pais, enfim de uma coisa eu sei, a ideia de fugirmos com certeza partiu dele, ele já havia tentado colocar essa ideia na minha cabeça quando morávamos na Capital, as vezes ele realmente me irritava, quem ele achava que era? O meu pai? Leonardo é meu irmão, queria que as pessoas parassem de trata-lo como se ele fosse perfeito. Queria que ele soubesse que sei os nomes deles, do papai e da mamãe, queria que ele soubesse que quando estávamos na Capital ouvi a história de que um casal havia abandonado seus filhos com o Presidente, infelizmente isso só fez sentido agora, que sei que nossos pais são de fato vitoriosos, então a história deve ser verdadeira, realmente tem nexo, mas agora eu realmente sei que não posso contar a ninguém, não depois do que aconteceu com o Al..."

  As lágrimas caem do meu rosto e molham as páginas. Olho para o lado e vejo a boneca que o Al me deu há alguns dias, é bom ter algo de casa aqui, porque eu me sinto muito sozinha, como se fosse quase invisível. Infelizmente sei que se souber que eu sei sobre nossos pais verdadeiros, talvez EU sofra as consequências, devido a esse fato, pego meu diário e risco qualquer vestígio de que sei sobre eles.

Já havíamos chegado no prédio dos tributos, e encontrava-me no meu quarto, no 9ºandar, até que minha mentora apareceu e me falou que uma pessoa importante queria encontrar comigo. Logo me arrumei e fui encaminhada por dois pacificadores. Logo chegando ao destino percebi onde eles estavam me levando, eu pensava que era para alguns patrocinadores, mas me levaram para nada menos que Presidente Snow.

   Quando cheguei em seu escritório, não pude evitar de dar uma leve olhada para sua estante de livros e pensar em quantas vezes já estive ali, escondida.
Ao entrar na sala me reparei com o presidente Snow sentado em seu majestoso trono, enquanto Avox faziam sua barba e penteavam seus cabelos brancos de aparência sedosa.
- Bem vinda de volta criança !!
   Ele estendeu os braços, mas o que Leo havia me falado não me deixou ir até o presidente, eu realmente não confiava nele. "Ele matou o Al lembra?" fiquei totalmente imóvel, eu não podia esquecer esse detalhe, foi como se meu corpo ficasse imóvel. Depois de aproximadamente quinze segundos ele abaixou seus braços e me olhou como uma cobra, com tamanho ódio e desprezo.

- Achei que iria sentir minha falta. - ele disse pegando uma rosa em mãos- Tire-a daqui e mate a mulher que não lhe deu total... Educação.

-Não, não faça isso por favor, ela não merece. E a sua promessa? - Grito pela última vez.

   Pacificadores me agarraram pelo braço e começaram a me arrastar para fora dali. Eu gritava pedindo que ele não fizesse isso, não sabia como agir, o que falar. Eles matariam a Mary, eles a matariam por minha causa. E foi nesse momento que eu soube que nunca seria uma criança normal, Snow roubou tudo que eu tinha e agora terei que duelar com minha única família restante, meu irmão.

    Fui encaminhada para uma sala diferente. Foi completamente desconfortante, principalmente porque não fui preparada por uma equipe de preparação, mas sim por um Avox. Por mais que eficientes eles não estavam acostumados com o "show", infelizmente acho que estávamos em desvantagens, porque Snow já nos odiava e estava fazendo de tudo para que todos compartilhassem tal sentimento.
    Lá, um dos pacificadores entregou um papel, e logo se retirou.

"Apenas siga os planos, e lembre-se que a sua vida está na minha mão, qualquer erro levará a morte"
-Snow.


  Assusto-me na hora mais logo recomponho-me. Leo não pode saber do meu plano de jeito nenhum. E então volto-me para o Avox. No canto oposto da parede, pendurado, estava uma roupa que emanava um cheiro delicioso de pão fresco, como os que a Mary fazia pela manhã.. Pensar na Mary faz meus olhos se encherem de lágrimas, de modo que não consigo me manter quieta e começo a chorar, e a manchar todo meu rosto com a maquiagem que agora escorre. Eu daria tudo para sair desse inferno, eu só queria ser feliz, e agora todos que aparentemente me amavam, estão mortos.. A menina Avox vem em minha direção com um lenço e começa a limpar minhas lágrimas, depois ela faz algum gesto que logo identifico, ela quer que eu sorria. O cheiro da roupa ajuda a amenizar o clima pesado e de dor que eu estava sentindo, ela era feita totalmente de pão, nunca havia visto algo tão complexo e fantástico como aquela roupa, se déssemos sorte, chamaríamos atenção.

     Quando cheguei na carruagem, encontrei Leo com uma expressão avoada, eu queria lhe contar o que acontecera com Mary, por isso fui correndo lhe abraçar. Eu estava longe dele desde que descemos do trem aqui na Capital, de um jeito ou de outro preciso dele ao meu lado.

    - Eles mataram a Mary, Leo.


Distrito 9. O recomeço do inevitável.Where stories live. Discover now