16- SOHAN

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"O meu amor agora está perigoso. Mas não faz mal, eu morro mas eu morro amando."

- Cazuza

   Sinto uma imensa vontade de fugir, deixar tudo para trás e retornar para minha família, mas não posso fazer isso, a Capital iria atrás de mim e, possivelmente, atrás de minha família. Meus olhos se enchem ainda mais de lágrimas, mas tento segurar o choro.

– O que foi? Por que está chorando?

Olhos no fundo de seus olhos azuis como céu e abraço-a. Seus cabelos me lembram um lugar quente e seguro, onde uma criança, assim como eu, se esconderia e rezaria para que o trovão e a chuva passassem quietos por mim. Ambos éramos jovens, forçados a lutar até morte.

- Não estou e nunca estarei pronto para os jogos. – digo soluçando – E meu maior medo é de te perder.

- Você não vai me perder. – diz ela – Aconteça o que acontecer e não importa o lugar, sempre estarei com você. – Pelo som de sua voz, acredito que ela esteja chorando. – Agora temos que ir. – Ela enxuga as lágrimas de meu rosto e deposita um longo e aconchegante beijo em meus lábios. – Vamos, chegou a hora.


    O aerodeslizador já estava a nossa espera, então nos apressamos para chegar a tempo de embarcar. A aeronave era igual às outras, feita de placas de metal, que suponho serem blindadas. Havia duas hélices gigantes, uma em cada asa, assim que embarcamos, vejo os propulsores serem ligados, enquanto a porta se fecha. Sento-me em uma das poltronas e procuro relaxar, mas minha tentativa é em vão.

Não demora muito e chegamos ao nosso destino. Os vidros escuros do aerodeslizador não permitem que eu veja o local por onde passamos. Logo despeço-me dela com um beijo.

-Até daqui a pouco. Permaneça viva. - Digo.

- Eu te amo - Dizia ela enquanto era puxada por um pacificador.


Quando desembarco, vejo um grande hangar fechado, com apenas uma porta, por onde os aerodeslizadores decolam. Mistral e eu seguimos por uma escada até chegar a um grande corredor com várias portas. O lugar era estranhamente silencioso, lâmpadas presas ao teto iluminavam o caminho. Caminhamos por alguns minutos até chegarmos a uma porta de ferro, Mistral vira e me abraça, começando a despedida.

- Boa sorte meu bem. - diz ela - Foi muito bom ser sua acompanhante, obrigado. - Assim que ela me solta, vejo uma lágrima escorrer de seus olhos.

- Obrigado Mistral, por tudo. - digo - Me desculpe caso eu tenha feito algo errado. - Não passava grande parte do meu tempo com ela, mas fico em emocionado ao deixar uma amiga. Nos abraçamos novamente e logo depois abro a pesada porta de metal e entro no quarto.

- Kells. - digo sorridente, ela fora a pessoa mais simpática e educada que conheci, há vi poucas vezes, mas assim como Mistral, ela se tornou minha amiga.

- Sohan. - diz ela enquanto me abraça - Não temos muito tempo, por isso vamos logo. - Ela me entrega a roupa que deveria vestir, uma camiseta cinza com um simples casaco preto e uma calça preta. Um voz ecoa pela sala, vinda do auto falante, avisando que resta apenas um minuto para a preparação. Me visto rapidamente e assim que termino, a voz novamente avisa o tempo que me resta. "Trinta segundos." Antes de entrar no tubo, Kells me avisa de mais uma coisa. - Sohan, alguns patrocinadores compraram itens de sobrevivência, armas entre outras coisas necessárias na arena. Está tudo guardado e separado em mochilas. - Eu balanço a cabeça em concordância. - Bom, acho que meu trabalho terminar por aqui. Boa sorte Sohan, estou confiando em você.


- Obrigado por tudo Kells. - digo. "Quinze segundos". Entro no elevador e uma redoma de vidro começa a descer lentamente. - Adeus Kells e obrigado mais uma vez.

- Não direi adeus, pois confio em você e sei que irá voltar da arena. - diz ela. O elevador começa a subir, Kells começa a desaparecer do meu campo de visão. Repentinamente, tudo se torna escuro, sinto um vento gelado tocar meu rosto.


Com um tranco percebo que o elevador parara de subir. Tento ver alguma coisa, mas não consigo. Lentamente a lua começa a iluminar a arena com seus raios prateados, uma densa neblina surge, mas lentamente começa a dissipar. Consigo ver alguns tributos em meio à névoa e rapidamente começo a procurar Giulia. A arena se parece com alguma espécie de sítio ou fazenda, a alguns quilômetros vejo três construções em cada ponto da arena, uma ao norte, outra a oeste e uma ao sul.

Enquanto a procuro, uma luz de cor laranja aparece bem ao centro da arena, indicando a Cornucópia e a contagem regressiva.
10...9...8...7...6...5...Meus olhos percorrem toda a arena em busca de Giulia...4..."Encontrei" digo a mim mesmo...3... Giulia estava a quatro plataformas de distância à minha esquerda... 2... Agora que a encontrei, consigo me acalmar um pouco...1...O alarme soa.Corro em direção a Cornucópia o mais rápido que posso, sem olhar para trás, grande parte dos tributos correm em direção à ela. Consigo chegar pouco antes dos tributos, mas para minha decepção, não encontro o machado que tanto queria. Sem pensar duas vezes, pego um arco de metal, que poderia ser útil caso tivesse alguma flecha, uma espada, e lembrando o que Kells disse antes de eu entrar no tubo, pego uma mochila.
Saindo da Cornucópia esbarro em um garoto, não consigo ver seu rosto direito então continuo minha corrida, porém algo me interrompe. Um tremor abala a arena por alguns minutos, até um imenso bestante surgir a alguns metros de onde estou. Olho de relance para trás, para olhar o monstro.


O bestante tratava-se de uma espécie de minhoca modificada, ela era enorme e seu corpo era cheio de espinhos, sua boca era cheia de dentes afiados e letais, prontos para dilacerar a presa. Poderia ignorá-la e fugir em busca de abrigo, mas tenho que voltar, em meio a confusão de tributos correndo e lutando e dos ataques da imensa minhoca, estava Giulia. Ela estava na Cornucópia segurando alguma arma e procurando escapar dos ataques. Minha rota agora é outra, estou correndo de volta à Cornucópia, por pouco me desvio de um ataque e não sou transformado em comida de minha minhoca. Alcanço Giulia e puxo-a para perto de mim.


- Temos que ir. - digo a Giulia - Temos que fugir daqui.

- Não. - responde ela quase gritando - Temos que procurar Sadie, eu a vi vindo em direção a Cornucópia. - Eu não conseguira ver Sadie, mas Giulia tem razão temos que ajudá-la.

- Certo, então vamos. - Puxo Giulia e começamos a correr em busca da garota, mas o bestante faz uma investida e se enterra no solo, a alguns metros a nossa frente. O impacto faz o solo tremer, e acabamos caindo. Levanto-me rapidamente, assim como Giulia. Estávamos prontos para retomar a corrida, quando Giulia grita apontando para algo atrás de mim. Empunho minha espada, bem a tempo de bloquear o golpe que um garoto acabara de desferir.

"Tony White"lembro. "Esse é o seu nome, o tributo do distrito quatro." Se Giulia não me alertasse, estaria morto neste exato momento.

- Corra. - grito para Giulia - Corra. - Ela me olha por um momento, com expressão preocupada, mas logo corre na direção oposta. Empurro Tony para trás e o me preparo para o combate.

Nos encaramos por um momento, até Tony partir para o ataque. Durante o treinamento que fazia com meu pai, ele nunca me ensinara a atacar de primeira. "Não seja apressado, nunca ataque de primeira, espere seu oponente atacar." Dizia ele. "Estude suas técnicas, analise seus movimentos, procure uma brecha." Tony era um garoto forte e ágil, seus golpes eram rápidos e certeiros. Minha espada vibrava ao bloquear seus golpes. Passo grande parte da luta na defensiva, apenas bloqueando e esquivando dos ataques, até ele recuar. Durante esse tempo, pude ver seus movimentos, seria difícil encontrar alguma brecha. Olho no fundo de seus olhos, estudando-o, mas o solo começa a tremer novamente e a minhoca mutante surge a nossa frente lançando-nos para trás.


Agora a situação se tornou difícil não só para mim, mas também para Tony. Derrotar o oponente e fugir do monstro. Ele não nos ataca, apenas retorna para o solo. "Muito bem Sohan, concentre-se."digo a mim mesmo. Com a espada em punho, tento uma investida, mas ela falha. Tony se esquiva com facilidade e acerta um golpe em minhas costas. Consigo me manter de pé e tento mais uma investida, porém mais uma tentativa não funciona. Desisto de tentar mais um ataque, por ora, permanecerei na defensiva.

Tony era um forte lutador, não se cansava tão fácil. Estava cansado de apenas bloquear seus ataques, devo pensar em um jeito de atacar. Tony tenta mais um ataque, mas o verme gigante retorna a superfície, nos desequilibramos, mas vejo uma oportunidade para o contra ataque. Rapidamente acerto sua mão com minha espada, fazendo-o soltar sua arma. O ataque faz um profundo corte em sua mão, que agora jorra sangue continuamente. "É agora"penso. "Uma brecha."

Vou em sua direção e derrubo-o no chão, o verme gigante mais uma vez volta a se enterrar. Uma luta corpo a corpo é iniciada, ambas as partes são fortes e resistentes. Aproveito a vantagem que tenho, estou por cima de seu corpo prendendo seus braços com as minhas pernas, acerto muitos socos em seu rosto que começa a sangrar e inchar. Eu tinha pleno domínio sobre a luta, mas novamente aquela minhoca mutante e maldita volta a aparecer.

Ao ver o surgimento do animal, noto algo estranho. Ela somente aparece e não ataca, está nos rodeando já faz algum tempo. "Então é isso. Ela está a espera do resultado da batalha, o perdedor será seu alimento." Infelizmente, enquanto pensava, Tony consegue soltar seu braço direito e golpear meu queixo. O soco me faz ficar zonzo, ele me joga para o lado e inverte a situação, ele desfere vários socos em mim, mesmo com a mão machucada, ele ainda tem forças para lutar.
Reconheço minha derrota, a minhoca desta vez não retornou ao solo. Ela está em pé, pronta para atacar a presa, que será um de nós. Por um momento penso em desistir, mas não posso fazer isso.


"Você não vai me perder."A voz doce e suave de Giulia surge em minha mente. "Aconteça o que acontecer e não importa o lugar, sempre estarei com você." As lembranças dos momentos bons e felizes que passei com ela, me fortalecem. A imagem de seu lindo rosto, de seus olhos penetrantes e azuis como o céu, seus lábios que me beija carinhosa e amorosamente. Seu abraço quente e aconchegante que se tornou meu porto seguro, em seus braços, eu me sentia protegido de todos os perigos. "Não. Não vou perdê-la." Pensar em Giulia renova minhas forças.


Seguro os braços quando ele tenta socar meu rosto novamente, puxo-o para mais perto e dou lhe uma cabeçada. Jogo seu corpo para o lado e me levanto rapidamente. Eu estava cansado, os ferimentos em meu corpo doíam, mas a vontade de voltar para os braços de Giulia me mantinha de pé. Tony tenta se levantar, mas não possui força suficiente realizar a ação. A minhoca mutante ainda está a espera e ela parece reconhecer a derrota de Tony, que como esforço se levantava lentamente. Antes do ataque do bestante, pego minha espada e caminho até ele, não queria fazer isso, mas eu era obrigado, esse é os Jogos Vorazes, onde todos os sentimentos devem ser deixados de lado. Levanto minha espada e com um movimento rápido, corto o pescoço de Tony. A minhoca volta para o subterrâneo. Corro o mais rápido dali em busca de abrigo e um som agudo e aterrorizante ressoa pela arena, olho para trás e vejo a minhoca gigante surgir perto de Tony, ela rapidamente agarra o corpo do pobre garoto e volta a se esconder nas profundezas da terra.

Meus olhos estão pesados e meu corpo começa a fraquejar, minha respiração se torna pesada, não aguento mais correr. Começo a diminuir o ritmo, até chegar um ponto em que não consigo mais aguentar, caio de joelhos e vejo Giulia ao longe correndo em minha direção, na companhia de uma garota de longos cabelos loiros. Era Sadie. Em alguns minutos elas chegam até mim. Giulia me abraça fortemente me beija. Olho em seus olhos cheios de lágrimas e vejo o medo e desespero que ela está sentindo.

- Ei, não chore. - digo enxugando suas lágrimas - Eu estou bem, não se livrará de mim tão fácil. - Um pequeno sorriso nasce em meio ao choro. Ela me beija e me envolve com seu abraço caloroso e permanece assim. "Sim."penso "Agora eu estou a salvo.'' Minha visão começa ficar turva e tudo ao meu redor se torna completamente escuro.



Distrito 9. O recomeço do inevitável.Donde viven las historias. Descúbrelo ahora