CAPÍTULO 1 - OS LAÇOS QUE PRENDEM A CORDA

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O peito de Kristina vociferou quando ela virou a esquina para a rua onde morava. Entre sua casa e a de Briel, vizinho da frente, acabava de frear uma picape do exército, com cinco militares na caçamba. Os homens e mulheres fardados desceram com fuzis. Kristina tentou dar meia volta, mas girou em excesso o guidom da moto e caiu, rolando no asfalto. Ergueu-se de novo aos tropeços. Porém, enquanto levantava a moto, o tique-taque do relógio se afrouxou: os militares não se dirigiam à casa dela, tampouco à de Briel, mas sim à de dona Eva, uma senhora que fazia o melhor bolo de fubá da vizinhança. Os soldados derrubaram o portão, demoliram a porta da frente e não pouparam nem as janelas.

Mas o motorista da picape observava Kristina. Ela ficou imóvel. Com os olhos, sondou possíveis rotas de fuga e até possíveis armas para se defender. Respirou fundo quando o homem pôs a mão na porta do carro, prestes a abrir. No entanto, os colegas retornaram, largaram a velhinha algemada no banco de trás e o motorista acelerou, deixando Kristina de lado. A garota subiu na moto e acelerou também, seguindo para casa. Evitou olhar para o carro quando eles cruzaram.

Estacionou na garagem e pegou o saco de pães na mala. Com o corpo esfriando, teve uma brecha para se sentir idiota. Afinal, ninguém era preso por ser contrário ao governo, mas sim por manifestar sua oposição. Como Briel dissera uma vez, "ler mentes não faz parte da lista de superpoderes do nosso herói." Kristina e o amigo nunca tinham se exposto. Mesmo ao telefone, se preveniam, e só usavam a internet para trabalhos da faculdade. Tendo isso em mente, ela se permitiu abrandar.

A normalização na adrenalina a fez perceber uma ardência perto do joelho. Tinha se machucado na queda. A ferida palpitava sob sujeira e sangue. Agora, também sentia um ralado nas costas, na altura do ombro.

Na cozinha, jogou o saco de pães na mesa e ia depressa para o quarto quando o pai reparou:

— Ei! O que é isso aí na sua perna? Você caiu?

— Não — disse ela. — Não, isso aqui é só... Quer dizer, eu caí, mas foi de leve. Eu acho que eu perdi a direção, me distraí, sei lá.

— Eu só pedi pra você ir lá comprar um pão pro café da manhã — disse a mãe —, mas até assim você arruma um jeito de fazer besteira. Você não tá dirigindo bêbada de novo não, né?

— Claro que não! E eu já expliquei aquela vez — rebateu Kristina.

— Laisa, a gente viu ela saindo sóbria — disse o pai.

— Não é como ela sai, é como ela volta. Mas o assunto não é esse. — E dirigiu-se para a filha: — Espero que não tenha feito muito estrago na moto, senão eu tomo ela duma vez por todas.

— Mas não foi culpa minha, e eu não tenho problema com bebida do jeito que você acha! Isso é injusto!

— Tudo é injusto, né? Então me diz de quem foi a culpa. E para de gritar, que é pra não acordar teu irmão.

Kristina abriu a boca, mas só o que saiu foram gaguejos. A mãe a encarava com o prazer da chefia estampado nos olhos. Os ferimentos da garota doeram de novo, e ela subiu as escadas em silêncio.

 Os ferimentos da garota doeram de novo, e ela subiu as escadas em silêncio

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AO NOSSO HERÓI, UM TIRO NO PEITOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora