CAPÍTULO 13 - PENSAMENTOS PROIBIDOS

479 88 8
                                    

Considerando os poucos dias desde que chegara naquela casa em Melkan, até que tinha escrito bastante. Precisava matar a ansiedade, já que não iria mais matar o presidente. Sorriu amargo. Era dia 5 de novembro e ele estava no sofá de plástico do refúgio mais discreto que conseguiu arranjar, pequeno e isolado em um terreno de mato alto e muitas árvores. Se ainda existiam cidades em Kailan que podiam ser consideradas rurais, Melkan era uma delas. Em pleno centro, não havia prédio com mais de quatro andares e algumas pessoas tinham cavalos no quintal. Em cidades grandes, o centro seria o pior lugar para um acusável de terrorismo se esconder, mas ali, em uma cidade roceira no interior do Fígado, era para o subúrbio que o Exército guardava seus olhos mais vorazes. Mesmo assim, Briel sabia que não estava protegido. A ideia era ficar ali até o dia 10 e, dependendo de como tudo acabasse, voltar para casa. Porém, ele já tinha considerado as possibilidades que impediriam seu retorno à vida normal. Já perdera um bom tempo analisando matematicamente suas chances de morrer. Agora, pintava outras coisas na folha do caderno:

Não podemos julgar uma sociedade por sua consciência, mas devemos entender e explicar como ela adquiriu essa consciência a partir dos conflitos sociais que vive. O ser humano é produto de seu espaço e de seu tempo. (K. M.)

A política é a atividade que permite a vida em comum, respeitando as diferenças individuais e os conflitos que surgem dessa coexistência. A tirania, a dominação, o totalitarismo ou qualquer anulação da liberdade na esfera pública é anulação da própria atividade política. (H. A.)

Poder é uma situação estratégica, um lugar onde se está nas relações. Um tipo de poder se faz pelo saber, através da vigilância constante. Observa-se o indivíduo, aprende-se sobre ele e usa-se o aprendizado para criar poder sobre ele. O lugar de quem observa é o lugar do poder. (M. F.)

Briel provavelmente nunca mais leria os filósofos e sociólogos que mudaram sua vida. Tivera que queimar os livros antes de sair de casa, por segurança. Seria burrice pegar um avião carregando objetos proibidos na bagagem, e deixá-los em casa seria um risco para a família. Pelo menos as ideias proibidas ele carregaria para sempre em sua mente. No entanto, mesmo essas às vezes pareciam altas demais, prestes a romperem involuntariamente a barreira do pensamento. Ele não estava mais em casa, e só assim percebera o quão confortável e seguro era seu lar. Nas primeiras horas naquele casebre quarto-sala-cozinha-e-banheiro, tinha matado um grilo que apareceu na janela, com medo de que qualquer coisa viva descobrisse quem ele era e do que estava fugindo. Mas foi só o pânico inicial. Agora, por exemplo, havia uma mariposa dentro da sala onde ele escrevia subversões no papel e mesmo assim o garoto não suava, não olhava para trás a todo instante, não tinha vontade de se esconder debaixo do cobertor até o Dia da Decisão passar.

Mas ainda não sabia o que fazer. Queria Kristina ali com ele, entocada com ele, brigando com ele por todas as besteiras que tinha feito. Também a queria em seus braços de novo, como no outro dia. Será que ela iria atrás dele? Ou será que, por medo ou falta de urgência, ela rasgara o papel com o endereço e esperava Briel voltar?

Se ele pudesse ter convocado a amiga para lhe acompanhar quando Marko batera à porta dele no ano anterior, Kristina teria dito "não". E mais: teria o impedido de aceitar. Ela tinha limites diferentes dos dele, embora concordassem ideologicamente. Mas agora Briel sabia que seus próprios limites não eram tão grandes quanto pensara, ou até quanto prometera a Elinor no dia em que ela o chamara a sós, logo depois de todo o grupo ter contado ao novo membro os detalhes do plano.

— Você vai ser fiel? — ela perguntara.

— Não precisa duvidar de mim quanto a isso.

— Que bom. Porque a gente acredita muito no nosso plano e, principalmente, na nossa luta pela liberdade de Kailan. A gente chegou muito longe nessa ideia, e todo mundo se arriscou e abdicou de tanta coisa que você não pode nem imaginar. Cada um de nós faria qualquer coisa pra seguir adiante nisso. Você acabou de entrar numa coisa de onde não pode sair. Tem que seguir em frente. Eu quero saber se você entende isso de verdade. Se você, assim como a gente, faria qualquer coisa pra seguir adiante.

— Sim. Eu me comprometo.

— Ótimo. Tenta não levar isso a mal, mas a gente tem que ter certeza de que tudo vai dar certo.

— Eu sei.

Sabia, e mesmo assim tinha quebrado a confiança de todos. Primeiro traiu Kristina e a família dela quando Ronan se tornou um obstáculo para o plano, depois traiu o plano quando este se tornou obstáculo para... Para quê? Sua vida? Sua sanidade? "Tudo" era a palavra perfeita. Tudo desmoronaria se Briel participasse do assassinato de Sarto. Mas riscou no caderno, pressionando a caneta a ponto de afundar o papel:

Quando o homem se liberta de sua individualidade para se empenhar a um coletivo, torna-se algo além do animal humano: um sujeito. Enquanto o animal humano se adapta ao mundo, o sujeito é aquele que transforma o mundo. (A. B.)

Ao entrar na luta armada, pensou ter transcendido o animal que via na maior parte dos cidadãos de Kailan. Porém, em algum momento entre aquele dia e o presente, ele esbarrara em um balde de pessimismo e derrubara tudo em sua cabeça. Estava tão fraco agora. Ele, que antes sonhava em transformar o mundo, agora só queria viver feliz em um mundo transformado por outros. Se é que os outros conseguiriam realizar o plano sem o egoísta do Briel.

Olhou para a mariposa que rodopiava perto da lâmpada fraca. Uma vez, anos atrás, durante uma falta de energia, seus pais tinham acendido velas para iluminar a casa. Briel estava na cozinha, de janela aberta, quando uma mariposa entrou e começou a perseguir o fogo da vela. Até que ela passou tão perto da fonte de calor que suas asas pegaram fogo por um instante e ela caiu sobre a mesa. O garoto achou que a mariposa tinha morrido, mas logo ela se debateu novamente, voou para perto de um armário e ficou pousada ali até o dia seguinte, provando que às vezes os insetos podiam pegar fogo e sobreviver depois. Mas talvez Briel fosse o inseto que recua antes de tocar a chama, temendo as chances ocultas no "às vezes".

Ele se mexeu no sofá, mudando de posição, e o plástico chorou um som desagradável. O problema era que nenhuma posição amenizava a repentina dor nas costas, nos punhos, a dor de cabeça. Escreveu mais uma frase antes de jogar o caderno e a caneta no chão:

Estou perdido. (B. L. D.)

AO NOSSO HERÓI, UM TIRO NO PEITOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora