CAPÍTULO 14 - O TERCEIRO-SARGENTO

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Os trompetes, flautas e contrabaixos de uma sinfonia em ré maior vieram se mesclar aos sonhos de Keiton Lan Fer. Quando percebeu que era o toque de seu celular, ele acordou. Rolou e se arrastou na cama de casal para alcançar a mesinha de cabeceira. Ainda de olhos fechados, tateou até encostar na origem do som. Se estivesse no quartel, o aparelho teria que estar desligado àquela hora. Porém, como era domingo, Keiton pudera passar o dia em casa e dormir por lá.

Atendeu sem olhar quem ligava, já que o brilho da tela era forte para seus olhos recém acordados. Sua voz, enrouquecida pelo sono, tornava-se cavernosa. Ele limpou a garganta. Do outro lado da linha:

— Oi, Keiton, é a tia Laisa.

— Oi.

— Oi. Desculpa te acordar a essa hora, mas eu preciso muito falar contigo. É urgente.

Aquela última palavra acelerou o despertar do jovem sargento. Ele se sentou, acendeu o abajur sobre a cabeceira e obrigou o cérebro a abandonar a lentidão de quem flutuava em sonhos ainda no minuto anterior.

— O que aconteceu, tia?

— Desculpa, não dá pra falar por telefone. — Agora Keiton notava o tom sôfrego na fala dela. — Eu queria que você viesse aqui em casa. Quer dizer, se você puder.

— Sim, claro. Eu já tô indo.

Abandonando os lençóis e sempre em silêncio para não acordar o pai, que dormia no quarto ao lado, Keiton se vestiu, jogou um punhado de água fria no rosto, pegou a carteira, o celular e as chaves e saiu. Ainda em Orlestan, os colegas responsáveis pela ronda durante o toque de recolher o pararam. Ele foi reconhecido pelos capacetes, mostrou suas credenciais, disse que estava resolvendo uma emergência familiar e conseguiu prosseguir sem mais delongas. Os outros soldados colaram no carro de Keiton um adesivo que o autorizava a transitar naquele horário, válido até as seis da manhã.

Chegou, passou pelo hall de entrada. A sala estava toda acesa e a tia o esperava no sofá. Vendo-o, ela foi logo em sua direção, com a fisionomia abalada.

— Oi. — Ela o abraçou e deslaçou as lágrimas.

Keiton se sentiu uma criança de novo. Naquela época, a tia o envolvia nos braços toda vez que a dor a consumia. O pequeno sobrinho enxugava as lágrimas dela, realizando sua suposta obrigação de preencher o vazio que as mortes familiares haviam causado.

— Você é filho da minha irmã — argumentava tia Laisa naqueles tempos. — Tem que ficar comigo agora. Se você não fica comigo, eu fico sozinha.

Tia Laisa também havia chorado no dia seguinte à prisão de Ronan. Keiton a visitara pela manhã, quando as crianças estavam em suas aulas. No dia, ele conseguira se livrar da incumbência de reconfortá-la, pois saíra apressado (mais do que, de fato, necessitava) para o serviço. Agora, provavelmente teria que reassumir seu papel. Que ingenuidade a dele quando pensou que, em seu retorno, as coisas seriam diferentes de como haviam sido durante toda a vida com tia Laisa.

— O que aconteceu? — perguntou ele.

— A Kristina fugiu. Teve uma crise de revolta e foi embora. Ela falou tanta coisa pra mim, e dessa vez eu acho que foi de verdade.

— Calma, tia. — Ele a descolou de seu peito e a conduziu até o sofá, onde se sentou ao lado dela.

— Ela nunca entendeu as coisas que eu faço por ela. — Tia Laisa recuperava a compostura, enxugando as lágrimas e ajustando a respiração. — Ela me acha controladora e uma péssima mãe. Ela não sabe como eu amo e como eu me importo com ela.

AO NOSSO HERÓI, UM TIRO NO PEITOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora