CAPÍTULO 9 - NOSSO ABRAÇO DE AGULHAS

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Desculpem a demora >.<

Espero que gostem do capítulo!

Kristina tinha dezesseis anos e acabara de levar um fora

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Kristina tinha dezesseis anos e acabara de levar um fora. Seu primeiro namoro, uma torre de oito meses, fora derrubada a chutes e ela não sabia o que fazer. Passaram-se dias. Ela tentou mandar mensagem para ele e nada mudou. Tentou ficar com outras pessoas e nada mudou. Deixou de se alimentar por vinte e quatro horas e nada mudou. Um dia, ela estava no meio da aula e começou a sentir que não era ela mesma. Saiu da escola escondida, sozinha, e caminhou pela cidade, parando em lugares onde nunca tinha entrado e passando por ruas que nunca tinha visto. Chegou a se perder, mas pegou um ônibus e voltou para casa à noite. Naquele dia, ela sentiu que estava vivendo a vida de outra pessoa, por isso não teve medo de realizar as ideias que apareciam em sua mente, mesmo que fossem malucas ou perigosas. Era como se não precisasse se preocupar com o que aconteceria depois. Naquele dia ela só teve certeza de que esse depois existiria, e isso foi suficiente. Em casa, ouviu broncas e gritaria, mas com ouvidos que não eram dela. Então dormiu, acordou e voltou a ser a Kristina que nunca tinha deixado de ser.

Agora, enquanto terminava de arrumar a mochila, Kristina perguntou de si para si: posso me comportar como aquela não-Kristina de novo, mesmo sabendo que eu sou e sempre fui eu mesma?

Suspirou. Apesar de tudo, a dúvida era uma alergia em sua pele, coçando entre uma e outra decisão.

A mochila já estava cheia: o mínimo de roupas para uma semana (incluiria um conjunto de frio, mas como resolveu pegar a estrada de moto, já levava no corpo uma calça de couro e uma jaqueta de cordura), a escova de dentes, sua bolsinha de remédios e dinheiro (o dela mais um tanto que furtara da gaveta da mãe). Marko lhe dissera para não levar toalha, sabonete, xampu, creme de pentear nem nada do tipo (Kristina só pegou um pente e um elástico de cabelo). Além disso, o peixeiro lhe proibira de levar o celular. Então o rastreamento dos cidadãos pelos celulares era mesmo mais do que um boato?

Eram onze e quarenta e cinco da manhã. Com o trânsito de domingo, a previsão para a viagem era de uma hora. Ela ainda tinha quinze minutos para respirar antes de partir, mas resolveu ir logo. Pôs a mochila nas costas e desceu as escadas. Foi até a garagem sem encontrar empecilhos. Eiden provavelmente ainda dormia e sua mãe também devia estar no andar de cima. Kristina já tinha subido na moto, aberto o portão e andado alguns metros na rua quando decidiu que não podia sair daquela maneira, no silêncio total. Precisava se despedir do irmãozinho.

Encostou a moto à calçada e foi até o quarto de Eiden. Lá estava ele, adormecido em meio ao aconchego de um lençol e do ar-condicionado. Kristina se ajoelhou ao lado da cama e tocou levemente o rosto dele.

- Kristeza? - Ser acordado pela irmã era uma situação atípica.

- Bom dia, Eiden. - Ela sorriu. - Eu vou sair. Eu vim dizer tchau.

- Pra onde você vai?

- Me encontrar com uma pessoa.

- E por que você veio falar comigo?

- Porque eu quis. - Beijou a bochecha do garoto. - Eu te amo, Eiden. Volta a dormir.

Eiden obedeceu ao pedido, fechando os olhos e virando o corpo de lado. Kristina o deixou. Enquanto seguia para a rua, torcia para não se deparar com uma situação mais difícil. Porém, sua torcida não sucedeu. Laisa estava na sala.

- Por que você pegou a moto? - disse ela. - Vai sair?

- Vou.

- Pra onde?

Kristina hesitou, escolhendo qual das respostas ensaiadas iria utilizar.

- Eu sou maior de idade, não te devo satisfação.

Laisa foi até o hall de entrada e se postou diante da filha, que exibia a expressão mais seca possível.

- Kristina, você não acha que é um momento ruim pra dar essas crises?! Teu pai foi preso há cinco dias, o Briel nem se sabe dele...

- Eu já sei de tudo isso, não precisa me lembrar. Só que eu não sou mais criança. Eu já posso fazer o que eu quiser, sozinha.

Tentou avançar, mas Laisa bloqueou a passagem de novo.

- Não debaixo do meu teto. Parou a palhaçada?

- Me deixa! - Ela tentou chegar à porta. Laisa a segurou pela parte de trás da jaqueta, puxando-a.

- Agora é que você não vai pra lugar nenhum!

- Eu vou! E se você não gosta vai fazer o que, me bater de novo?!

Agora Laisa, sem palavras, pareceu atingida. Kristina aproveitou a oportunidade para descarregar outras insatisfações:

- Ficou tocada por que eu quebrei sua lei do silêncio? Devia ter escrito ela em um papel, tipo uma Constituição, porque eu levei dezoito anos pra aprender o que eu posso e o que eu não posso falar dentro dessa casa!

- Ah, coitada, injustiçada...

Kristina a cortou:

- Para de tentar me diminuir com esse sarcasmo, como se o que eu tô falando não fosse nenhuma verdade. O que eu sou nessa casa? Qual vai ser a diferença se eu sair?

- Você é minha filha, merda!

- Eu sou sua filha que você trata como se fosse um problema! Eu seria sua filha num mundo perfeito onde você conversasse comigo e me deixasse ser o que eu sou, e não o que você quer que eu seja. Mas você não fala comigo, não fica perto de mim... Eu sinceramente não entendo porque é que você tá tão preocupada comigo agora.

A perplexidade de Laisa era tangível.

- Kristina, para de falar idiotice.

- Só? Não vai nem gritar? Não vai me ameaçar? Não vai me bater?

- Que merda, Kristina, ouve o que você tá falando! Tem tanta gente que tem problema de verdade com os pais, e tem gente que nem tem pai, mãe, irmão, não tem ninguém. Você tem uma família que te dá tudo! Você quer o quê, por acaso? Quer que eu suma? Isso vai resolver tua vida, vai te fazer feliz?

- Não, eu não quero que você suma, eu quero que você mude. E só porque tem gente em situação pior, isso não tira meu direito de ser infeliz! Eu tô ouvindo tudo que eu tô falando, mãe. Agora ouve essa: eu vou sair de casa agora, e não te interessa pra onde eu vou. E sabe o que é que eu tô indo fazer? Besteira! É só isso que eu sei fazer, né. Então eu vou fazer uma besteira enorme, você vai odiar. Mas sabe qual é o melhor de tudo? Você não pode me impedir.

Contornando o pilar estático no qual sua mãe se transformara, Kristina abriu a porta e seguiu, a passos largos, até a moto. Vestiu o capacete e deu a partida, sem olhar para trás. Naquele momento desejou ser qualquer pessoa, menos ela mesma.

AO NOSSO HERÓI, UM TIRO NO PEITOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora