CAPÍTULO 16 - NO ALBERGUE II

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Kristina desceu as escadas até o salão principal, onde poucas pessoas habitavam os sofás, mesinhas e pufes. Era um espaço aberto, com apenas duas paredes, perpendiculares. Uma delas tinha as portas da cozinha e dos banheiros; na outra, de frente para a escada, ficava o bar, aonde a garota precisava ir. Passou no banheiro antes.

Refletida no espelho sujo, viu uma garota parecida com ela, só que desesperada. Parte disso por sua culpa, parte por culpa dos assassinos que a acompanhavam. Como ela fugiria deles? Para onde iria? Não podia estar presa naquela situação! Chutou a porta aberta de uma das cabines, que bateu com força e ricocheteou, abrindo-se de novo. Ela chutaria mais uma vez, porém uma mulher entrou no banheiro, dissipando a exclusividade do lugar, e tudo que restou a Kristina foi sair.

No entanto, quando abriu a porta para se retirar, teve que fechá-la novamente. O ângulo só a permitiu ver um pedaço do homem que agora se sentava no bar, mas foi suficiente para enxergar sua roupa camuflada. Kristina respirou fundo. Não era tão provável ele estar atrás dela e do grupo. Mesmo assim, o melhor a se fazer seria voltar para o quarto enquanto ele estivesse de costas, distraído. Assim, ela saiu, atirando um último olhar de esguelha ao soldado.

Então, arregalou os olhos. Aquela arte no cabelo era inconfundível.

Ficou paralisada por alguns segundos, tempo o bastante para que Keiton a visse. Ele também emanava surpresa. Ela deu um passo para trás, mas parou, pensando que talvez aquela não fosse a melhor reação. Mas quando Keiton a chamou pelo nome, ela não teve escolha senão ir até tá, puxar um banco ao lado do primo e fingir que não estava prestes a estourar como um balão. Para sua performance, pediu ao barman uma garrafa de conhaque.

— Em homenagem aos velhos tempos — disse para Keiton. — Quando esse era o nosso favorito e a gente usava enxaguante bucal pra esconder o cheiro do álcool. Pode fazer as honras. Essa garrafa é pra você.

Com uma fisionomia agora séria, Keiton encheu os dois copos, o dela primeiro. Kristina propôs um brinde, mas o homem era uma estátua de mármore. Ela brindou com o ar e esvaziou o copo de uma só vez, fazendo o álcool descer e relaxar seu corpo. Keiton, com o copo intacto, pediu uma porção de batatas fritas.

— Eu não como isso — disse Kristina.

— Nos velhos tempos, você comia.

Ela sorriu.

— Muita coisa mudou. E eu sei que você também percebeu.

Ele balançou a cabeça em afirmativa enquanto derramava sal naqueles petiscos gordurosos.

— Foi uma sorte eu te encontrar aqui agora. — disse Keiton.

Sim, com certeza foi uma puta coincidência você me encontrar em outro estado, pensou ela. Mas o que sua boca fugitiva disse foi:

— Você acha possível a gente, um dia, voltar a ser o que já foi?

— Ninguém nunca volta a ser o que já foi.

— Eu tô falando da gente. Eu e você, Keiton.

— Eu sei. Mas muita coisa mudou. Só algumas que talvez não. Amigo, me traz uma garrafa de água, por favor.

O barman obedeceu. Kristina tomou um pouco da água e até engoliu algumas batatas. Era difícil processar o que estava acontecendo, mas tinha duas certezas. Um: estava arruinada. Dois: talvez aquela fosse sua última chance de falar a Keiton dos rancores que ela havia guardado por anos.

AO NOSSO HERÓI, UM TIRO NO PEITOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora