8. O acender das luzes

29.3K 2.5K 560
                                    

"Verdadeiramente foi o princípio da minha vida, tudo o que sucedera antes foi como o pintar e vestir das pessoas que tinham de entrar em cena, o acender das luzes, o preparo das rabecas, a sinfonia... Agora é que eu ia começar a minha ópera"

(Machado de Assis)

A primeira coisa que vejo ao me virar é a barba ruiva maravilhosa dele, que no meu sonho está ainda melhor, porque está bem aparada. Ele também cortou o cabelo.

— Ótimo momento para você aparecer — digo sem fôlego. Cruzo os braços e tento demonstrar firmeza, mas não é tão fácil fazer isso com os pulmões queimando — Espere, preciso de um tempo para...

Conseguir oxigenar o cérebro.

Por que só agora? Se é para fazer uma participação nesse sonho estranho, ele deveria ter aparecido logo. Me pouparia daquele encontro com Henrique.

— Ajuda se você inspirar o ar pelo nariz e soltar pela boca — diz Samuel sorrindo.

Não acredito que ele está se divertindo com meu desespero.

— Obrigada — resmungo a contragosto.

Que merda, hein Dica?! Até no seu sonho Samuel está sacaneando com você.

— Pode me contar para onde estava indo?

— Eu estava... — começo, mas paro quando noto as sobrancelhas dele levantadas. Não tenho que dar satisfações a esse intrometido de sonhos alheios, que por sinal é o culpado de tudo isso ter começado — Olha aqui, Samuel, a culpa de tudo isso é sua! Não era para ter mandado eu me divertir, porque olha como eu estou agora? — Quero parar, mas sei que vou começar a chorar se fizer isso — Até no meu sonho você sacaneia comigo! Por que não apareceu há meia hora? Não era exatamente essa participação sua que eu estava esperando, sabia? Mas eu tenho esse cérebro idiota e autossabotador que sempre...

— Certo — Ele balança a cabeça concordando —Você é das que surtam.

O que?

— O que disse?

— É melhor começarmos de novo — responde ele, mas parece que não está falando comigo — Oi, Amanda! Como está se sentindo?

— Estou te odiando nesse exato momento.

A participação dele não deveria ser desse jeito, ainda que eu esteja de camisola e sem sutiã. Isso está errado! Tudo bem, em sonhos coisas estranhas e inusitadas são sempre possíveis, mas eu pareço ter sido atropelada pelo caminhão de coleta de lixo. Talvez o cheiro azedo de vômito seja o menor dos problemas.

— Sentimentos intensos! — comenta ele, me analisando — É uma ótima forma de começarmos.

— Começarmos? Então esse sonho vai pior que os outros dois...

Eu tive um dia horrível e nem dormindo vou ter descanso? Que cérebro cretino!

— Pior? Como assim, pior?

— Até nos meus sonhos eu sou patética e faço as escolhas erradas — digo encarando minhas unhas pintadas de vermelho. Péssima cor — Olha só para você, nos encontramos todos os dias de manhã e eu sempre fico imaginando tantas coisas e, quando tenho a chance de ter você no meu sonho, estamos no meio dessa conversa que não faz sentido.

O que é que eu estou dizendo?!

— Isso não é um sonho, Dica — anuncia ele com seriedade. Não me assusto, isso é sempre dito nos sonhos e no minuto seguinte estamos acordamos — Eu vou lhe explicar, mas precisa me prometer que vai ficar calma depois de ouvir — Encaro o rosto dele confusa — Vamos sentar naquele banco, tudo bem?

Com tequila e com amor [Concluído] [VENCEDOR DO WATTYS 2017]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora