17. Entre dormir e acordar

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"Você conhece aquele lugar, entre dormir e acordar, o lugar onde você ainda pode sonhar? É onde eu sempre te amarei. É onde eu estarei esperando."
(J.M Barrie)

— Certo, Amanda, você está ótima, apesar da queda e da pancada na cabeça. Seus exames não apresentaram nenhuma anormalidade, então vou te liberar para ir para casa — ouço a voz de doutor Marcelo, e não o sósia de George Clooney, mas não sei onde ele está. As enfermeiras removeram o cateter e todo aparato, mas não me lembro do que aconteceu. Se foi há dois minutos ou vinte. Só tenho uma marca de fita adesiva em volta do meu braço.

Meus olhos se lembram de outras coisas e estão presos na porta, desde o momento em que Henrique passou por ela.

— Eba! — Lili grita e sua voz se comprime em meus ouvidos. Prendo a respiração para fazer o barulho diminuir.

"Eu fiquei preocupado com você"

As palavras estão atravessando as paredes novamente e não sei como fazer esse eco diminuir.

— Vou te dar um atestado para três dias. Me contaram que alguém anda trabalhando demais — O médico ri, mas não consigo desenvolver uma reação coerente.

— Obrigada, doutor Marcelo — Monstrinha responde por mim.

— Tia Dica, você tá sentindo dor? — sinto a mão de Isadora sobre o meu braço e então focalizo sua testa franzida.

É como se minha boca estivesse cheia de palavras que não significam nada do que eu preciso que elas signifiquem.

"(...) sinto muito por ter feito com que você se sentisse culpada...".

Respiro de maneira irregular, meu peito está batendo em um ritmo difícil de acompanhar. Sinto meus braços arrepiarem, apesar de não estar mais frio. O quarto vai começar a girar a qualquer momento, eu tenho certeza.

Será que ninguém percebe que há algo de errado acontecendo comigo?

Os rostos de todos eles parecem impossíveis demais para compreender que isso é uma emergência.

"(...) mas enquanto você estava desacordada eu só conseguia pensar em como seria se tudo tivesse sido diferente."

Isadora aperta meu braço com mais firmeza e caio em mim de uma vez. A voz de Monstrinha conversando com o médico é o único som e minha respiração volta ao normal quando percebo que as meninas parecem preocupadas. E não há mais ninguém aqui.

— Si-sim, Isa.

— Você está liberada, Amanda — anuncia doutor Marcelo antes de ir embora.

— Preciso atender essa ligação — comenta Monstrinha, mas apenas alcanço seus cabelos curtos e esvoaçantes pela porta.

E eu preciso tirar essa roupa, ir embora. É esse lugar que está me fazendo mal. Esse quarto, as visitas. Eu preciso...

— Tia Dica, o médico colocou você dentro daquela máquina grande e feia? — Lili pergunta, subindo na cama.

Me colocaram em um lugar muito pior do que um tomógrafo.

— Claro que colocou, Alicia — responde Isadora — Eles precisavam saber se tava tudo funcionando direito na cabeça da tia Dica.

— E ?

Essa é uma pergunta que eu não sei quem pode me responder.

— Eu não sei, meninas. Eu não sei.

— Tem certeza de que tá se sentindo bem, tia?

Até as suas sobrinhas estão percebemos que você está acabada, Dica.

Com tequila e com amor [Concluído] [VENCEDOR DO WATTYS 2017]Where stories live. Discover now