4. Amêndoas Amargas - Lado B

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Não precisei me esforçar para não prestar atenção em Giordano se exibindo no palco. Meus olhos até se fecharam por alguns instantes, quando diminuíram as luzes do auditório, mas Melissa não parou de falar. Ela sussurrava tão alto que eu tive certeza de que o pigarro insistente da fileira de baixo era exclusivamente para nós. Ou foi apenas o meu arrependimento se justificando no refluxo gástrico de alguém. Ela comentou sobre cada um das caretas que Matteo Giordano. Ele costuma ser bastante expressivo e não poupou ninguém da sua frustração, a cada vez que apertava o controle com força demais e os slides se adiantavam; ela riu do jeito idiota como que ele dizia bioética, com a mesma relevância e entonação com que diria cura do câncer e também apontou o jeito com que ele gesticulava, como uma cópia mal feita do próprio pai.

Apesar da poltrona razoavelmente confortável, da meia-luz, da temperatura perfeita do ar-condicionado e de Melissa tagarelando, a apresentação pareceu durar horas.

Não, era o dia que estava passando devagar.

Depois, acenderam as luzes e eu me permiti fechar os olhos. Prometi a mim mesmo que cinco minutos seriam suficientes. Voltei para o elevador com Amanda e a voz de Melissa surgiu como um fantasma logo atrás de mim. Ela me perguntou como eu me senti. Consegui ouvir a minha voz, mas Carol me cortou. De algum jeito, ela também estava lá, perto da ascensorista. Com seu típico vinco na testa, me questionando por um motivo para estar ali.

Abri os olhos subitamente.

— Isso foi um cochilo? — Mel perguntou — Você está mesmo mal!

— Pode me liberar agora? — Não consegui conter um bocejo longo — Eu tenho que ir para casa.

Melissa me encarou como se eu fosse um objeto de estudo. Ela costuma fazer isso às vezes, como se brigasse consigo mesma entre o que dizer ou não.

— Ok. Eu vou com você até o térreo.

Tive a impressão de que Elias ainda queria me dizer alguma coisa. Ele estava próximo do palco e fingia dar atenção a alguém, enquanto me encrava a distância. Movi a cabeça o cumprimentando e segui Melissa. Não ia repetir o erro. Sem chance! Eu precisava de uma folga até o Natal, quando, eventualmente, poderia relevar melancolia dele. Mel sugeriu as escadas, porque os elevadores estavam parados no oitavo andar. Sempre lá. Mas eu teria pedido para usar as escadas de qualquer jeito. Um pouco de exercício me manteria desperto.

— Vamos fazer uma festa de aniversário para ela — Mel disse, cortando nosso silêncio, mas eu tive quase certeza de que ela disse algo antes — Me deixaram com o brigadeiro. Vou pedir a Mateus para fazer, eu não sei por que me deixaram com...

Ela estava falando de Amanda, é claro.

— A festa é hoje? — perguntei confuso.

Não que eu estivesse interessado em participar do aniversário surpresa de Amanda, mas Mel pareceu se referir a uma festa aconteceria dali a alguns dias. Pensei que fosse só a minha mente confusa. Embora eu tenha cogitado lembrá-la da data do aniversário, mas a única coisa que minha mente conseguiu formular foi:

— Ela tá namorando?

A empolgação sobre a festa de aniversário surpresa se voltou para mim.

Contra mim, na verdade.

Os olhos de Mel se arregalaram, como se eu tivesse acabado de perguntar algo constrangedor. Não me lembro de ter me sentido assim, constrangido. Também não sei o porquê de ter perguntado, mas não estava raciocinando direito. Naquele momento pareceu importante ter certeza de que o atual namorado dela também estava colaborando com a festa surpresa, como eu faria. Ou talvez fosse o meu ego ainda ferido interessado na suposta existência desse cara.

Com tequila e com amor [Concluído] [VENCEDOR DO WATTYS 2017]Where stories live. Discover now