5. Realidade e imaginação - Lado B

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Voltamos ao corredor principal e vejo as escadas ao fundo, mas Amanda desvia o caminho. Ela para, como se estivesse se decidindo para onde ir dali adiante. Ela se esqueceu de como chegar em casa? A lanterna balança entre meus dedos e ela tropeça nos próprios pés. Meu braço se estica e a segura, antes mesmo que eu me dê conta de que continuamos caminhando aos tropeços. A pele dela é macia e o cheiro é tão familiar que me preocupa. Não posso pensar que essa mulher é Amanda e sentir o perfume dela.

Esse é um péssimo sinal.

Talvez eu precise de uma TC.

Passamos ao lado das escadas e viramos à direita. Provavelmente ela é a moradora do térreo. Ela me viu pela janela e veio até o portão.

Há uma porta de alumínio pequena. A sósia de Amanda se encurva para alcançar a fechadura e eu a sigo. Continuo segurando seu antebraço, isso deixa nossa proximidade ainda maior. Eu preciso iluminar com a lanterna e não consigo deixar de tocá-la. Ela não é Amanda e eu sei disso, ou não estaríamos nessa situação. Me afasto um pouco para iluminar a fechadura. Ela não consegue encaixar a chave, porque está escuro. Ela tenta se abaixar mais e cai sentada, escorregando dos meus dedos. Sinto o vazio da pele fria dela. Eu devia tê-la segurado com mais firmeza. Miro a lanterna no rosto dela e vejo sua careta de dor.

Será que ela se machucou?

Você se machucou? Pergunto, mas não ouço a minha voz.

A falsa Amanda tenta novamente levar a chave até a fechadura. Sentada no chão parece mais fácil de encontrar a abertura, mas só parece. Continuo mirando a lanterna na direção dela, em sua cabeça. Sua mão erra por duas vezes, ela espeta a parede, como se estivesse tão desorientada como eu ou bêbada. A segunda opção se parece mais com Amanda. Faz sentido. Só que ela não é Amanda. Essa mulher está trocando as pernas, mal consegue ficar de pé. Ela pode estar precisando de ajuda, enquanto eu estou delirando.

Eu nem sei quem ela é e o que nós estamos fazendo aqui. Eu só quero um telefone para ligar para o atendimento de urgência, avisar a Carol e acionar a seguradora.

Eu devia ter perguntado o nome dela antes de dizer que ela se parece com Amanda.

Ela se arrasta para o lado de dentro com muita dificuldade, quando a porta finalmente se abre. Não há nenhum sinal de iluminação, então tenho que fazer o mesmo. Me abaixo até ficar de joelhos, um de cada vez, depois apoio a lanterna na mão direita, enquanto engatinho para o outro lado. O lugar é apertado, mas o teto é alto o suficiente para ela ficar de pé. Eu, por outro lado, preciso me encurvar um pouco.

Minhas costas doem.

Ao fundo, uma caixa grande ocupa quase toda a parede. Não faço a menor ideia de como isso passou pela porta. É um gerador. Ela precisa ligar o gerador, porque estamos sem energia. Eu acabei com a luz, na verdade.

Achei que eles fossem acionados automaticamente em caso de queda ou corte na energia elétrica, algo assim. Mas as minhas referências são todas sobre os mega geradores do Hospital-Escola. Seria esse movido a gasolina? O velho Henrique já teve um desses. Fazia muito barulho e Cora sempre reclamava.

Assisto-a, tentando acompanhar seu raciocínio. Ela se aproxima da parede, do lado esquerdo e ilumino a caixa de força. Desarma os disjuntores com a mão direita. Depois, encara a enorme caixa. Há um painel luminoso na parte superior. A sósia de Amanda estica a mão e pressiona um dos botões. O painel se acende. Ela franze o cenho e respira com força. E mais nada acontece. Seus dedos tateiam os demais botões, sem sucesso. Ouço outro suspiro cansado.

Aperto a lanterna com força. Alguém bêbado não devia fazer isso.

Encaro a placa também. Essas coisas normalmente são intuitivas. Chave, botão verde, vermelho, luzes piscando e pronto.

Com tequila e com amor [Concluído] [VENCEDOR DO WATTYS 2017]Where stories live. Discover now