16. Real? (parte 1)

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"Claro que está acontecendo em sua mente, Harry, mas por que isto significaria que não é real?"

(J.K Rowling)

A viagem de volta sempre parece mais longa do que a de ida. Desde a minha infância eu tento entender o porquê. Me lembro de uma viagem que eu e Monstrinha fizemos e eu estava tão empolgada para voltar pra casa que não parava de falar sobre isso. Elisa me prometeu que se eu perguntasse mais uma vez por que estávamos demorando tanto me deixaria no meio da estrada. É claro que eu acreditei, não por ser pequena demais para entender o sarcasmo, mas por ter a leve impressão de que ela estaria realmente disposta a de deixar.

Voltar é sempre difícil, principalmente quando você é encurralada pelo maluco-estranho-pseudo-anjo-alienígena do seu vizinho dentro de um banheiro feminino.

Se eu não estivesse voltado no tempo e me casado com Henrique. Se eu não fosse essa Amanda que não sabe superar o que sente por ele.

Samuel me perguntou se eu queria voltar ou ficar e parece que a resposta está entalada na minha garganta até agora. É uma sensação estranha, porque por mais que eu tente tossir tudo o que está preso parece impossível.

Não consigo decidir.

Desde o momento em que acordei naquela vida estranha, sendo uma Amanda diferente, reencontrando pessoas iguais e tão diferentes, ainda que, de todos, Henrique fosse o mais familiar, eu sempre quis voltar.

Viver a vida de outra pessoa não parece certo, pelo contrário, se parece com uma lição bizarra que alguém quer me ensinar, mesmo que a pessoa seja eu. Viver uma realidade diferente deveria fazer com que eu me sentisse pior. Até por que, todas as minhas justificativas para terminar com Henrique, no fim das contas, não significaram nada. Não fiz nada do que disse que iria fazer, simplesmente não fui. E não sai do lugar.

Depois de um dia inteiro experimentando pedaços de sonhos, eu não sei responder a uma pergunta tão simples. Que a resposta era tão certa, mas só era. Eu nunca soube realmente o que escolher e talvez agora também eu não saberia. Minha única certeza é a de que, de um jeito ou de outro, eu teria que voltar.

É assim que tudo termina.

Tento me mover, mas não consigo. Parece que estou amarrada, embora não sinta as cordas. Meus olhos pararam de arder, só que não sinto mais nada em relação a eles, apenas... Vazio. Talvez haja algum sentido na garrafa de tequila, enfim. Na letargia de estar bêbado demais para reconhecer o que está claro demais para ser entendido sóbrio.

"É a sua vez de novo, tia Dica. Eu vou contar até três: um, dois, três..."

Escuto uma vozinha distante.

"Não quer brincar de estátua de novo?"

É Alicia. Sua vozinha é o consolo de que preciso agora. Só que ela não está perto de mim, a voz é só um eco distante. As palavras dela ecoam, se prolongando no parece ser o vazio da minha própria mente.

"Posso te contar um segredo? Eu amo você muito, sabia? Desse tamanho. E mamãe disse que se eu ficar boazinha você vai acordar logo. Eu tô sendo boazinha, viu?"

Acordar? Lili consegue ser uma mini Monstrinha tão fofa.

"Abre o olho, tia Dica."

Eu queria poder abrir os olhos, mas parece impossível.

"Quando a gente voltar para casa, a gente pode assistir o vestido ideal, combinado? Você gosta desse, não é, tia Dica?"

Gosto sim e essa tia Dica não vai se importar nem um pouco em assistir a uma maratona inteira de Obsessivos Compulsivos ou de Eu não sabia que estava grávida. Se eu pudesse mexer os meus olhos pelo menos. Seria o suficiente sair desse aperto estranho.

Com tequila e com amor [Concluído] [VENCEDOR DO WATTYS 2017]Where stories live. Discover now