11. Aflição

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"Estou tentando conter a agitação, mas é como se todos os acontecimentos do dia viessem à tona numa espécie de onda de aflição."
(Sophie Kinsella)

Raiva.

Confusão.

Esperança.

E dor no olho.

Tudo ao mesmo tempo.

Será que Henrique vai se assustar se eu responder isso?

Nunca pensei que viajar no tempo tivesse alguma relação com os olhos, sempre acreditei em alterações cerebrais, como no filme Efeito Borboleta. Sangue pelo nariz, essas coisas. Só que agora percebo que nada disso faz sentido, assim como Doc. Brown e seu DeLorean voador que se move a partir de lixo, em De volta para o futuro II.

Gosto de como fazem nos filmes, mas odeio viagens no tempo.

- Dica?

Pisco atônita e as imagens ao meu redor ficam nítidas. Henrique está sentado ao meu lado, com olhos fixos em mim. Estou no quarto de Amanda e Henrique, deitada na mesma cama que levantei momentos atrás. A janela continua no lugar errado e os tons de cinza horrorosos ainda estão aqui: nas cortinas e, provavelmente, nas pastilhas que decoram o banheiro.

Tudo está assustadoramente igual.

Monstrinha e as meninas também estão aqui. Eu pareço um doente perto da morte, com tanta gente rodeando a cama. Elisa cruza os braços e anda de um lado para o outro. Ela devia parar um pouco, porque estou ficando tonta.

- Que bom que você acordou, tia Dica! Tio Henrique te deu um beijo igual o príncipe, não foi? - Lili vem pulando na minha direção, mas Monstrinha a segura pelo braço.

Se essa for uma história de princesa, é aquela em que a princesa joga a bola dentro do lago e sapo aparece. Só que eu sou a bola que caiu na água.

Passo a mão nos meus cabelos para tentar controlá-los, sei que eles devem estar tão bagunçados quanto um ninho de passarinho. Mas a intenção também é ganhar tempo. Preciso entender que merda aconteceu, mas não consigo raciocinar direito. Um monte de porquês gritam na minha cabeça e, a cada segundo que passo olhando para os quatro rostos ansiosos a minha frente, fica mais difícil não sucumbir a eles.

Não é possível que tudo esteja do mesmo jeito.

Isso está errado! Eu disse não e tenho certeza de que Henrique entendeu muito bem o significado disso. Então, por que...

- Consegue me entender, Amanda? - Henrique pergunta. Ele parece preocupado.

- Sim - Tento me sentar novamente e dessa vez Henrique não me impede - O que... O que aconteceu? - pergunto, mas o que quero saber é outra coisa.

Quero mesmo saber que tipo de loucura é essa. Não a loucura de ser uma viajante no tempo, mas o fato de ter mudado o passado e não ver nenhum efeito disso. Samuel é um babaca! Qual é o grande problema em me explicar o que não estou entendendo nessa droga?

Samuel é pior do que o mestre dos magos, porque ele não é um velhinho misterioso e de risadinha sinistra, é um vizinho ruivo e gato que faz questão de me deixar sempre confusa. Eu deveria achar isso muito bom, mas só consigo odiá-lo.

- Quando eu consegui abrir a porta você estava caída no chão - Só então percebo que Henrique respondeu, mas só captei a última frase.

- Precisa se alimentar, Dica - reclama Monstrinha. A reclamação é tão honesta que quero pedir agora mesmo que ela me diga exatamente o quanto está preocupada - Você tá comendo por dois agora, esqueceu?

Com tequila e com amor [Concluído] [VENCEDOR DO WATTYS 2017]Where stories live. Discover now