3. Efeitos Duradouros - Lado B

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A última vez que encontrei Amanda foi no supermercado, num dia de domingo no ano passado. Cora me pediu para comprar algumas coisas e me entregou uma lista. Me lembro de haver arroz vermelho escrito em letras garrafais. Então, eu estava lá na seção de cereais tentando achar o tal arroz vermelho, que não poderia ser o da caixa azul ou o pré-cozido de embalagem amarela. Vó Cora nunca se lembra o nome das marcas. Eu tinha nas mãos uma embalagem amarela, com uma mistura de vários tipos de arroz, quando um carrinho se chocou em uma das prateleiras, do outro lado do corredor.

Alguém xingou e meus olhos seguiram quase em estado de hipnose. Eu reconheceria aquela voz praguejando em qualquer lugar. Eu era louco por aquela boca suja.

Ela percebeu que era eu do outro lado, mas continuou praguejando de cabeça baixa. O carrinho dela enguiçou, as rodinhas mal se moviam. Por isso eu fui até ela. Eu só quis ajudar. E saber como ela estava também. Não foi uma decisão sensata, eu sei. Amanda me tratou como se eu fosse um estranho, mas a minha vontade de ir até ela foi mais forte do que outro pensamento racional. Aquele não era nosso primeiro reencontro, eu sabia o que aconteceria e, mesmo assim, caminhei em sua direção. Ela não quis falar comigo, pareceu óbvio, e eu não respeitei. Os olhos dela pareceram desesperados. Ela me olhou como se eu fosse alguém inconveniente de que precisava fugir. Nossa conversa durou uns trinta segundos, com as típicas perguntas de sempre: "você está bem?" "como vai Elisa, Isadora e o bebê?" e terminou com ela abandonando o carrinho apressada e abraçada a um pacote de açúcar.

Eu quis acreditar que o açúcar era o arroz vermelho da lista dela, mas a mágoa ainda era grande demais para achar graça nisso.

Nossos reencontros, invariavelmente, são constrangedores. De um lado, forço uma aproximação que nunca vai acontecer espontaneamente e ela foge, como se eu fosse alguém de que precisasse esquecer, porque foi um erro. E agora, me sinto perturbado demais para racionalizar o que acabou de acontecer no elevador. Eu parecia chapado. Há muito tempo eu não pensava em nós dois desse jeito tão... Intenso. Isso parece loucura. Amanda é só alguém do passado. Nossa história não deu certo e nós seguimos em frente.

Puxo o celular do bolso e confiro as horas. Dez e meia. Droga. A aula acabou. Nem que eu desvie a rota e tome o caminho mais longo, o que não tem tantos semáforos ou tráfego a essa hora, eu chegarei a tempo de encontrá-la na escola de dança. Não adianta. Abro o aplicativo de mensagens e meus dedos começam a digitar:

Não vou conseguir chegar a tempo, eu vou te re- Apago tudo e tento novamente. Se lembra que Henrique me pediu para vir ao seminário do neto do amigo dele?

— Você, o que vai querer? — pergunta o atendente da lanchonete. Cléber. Ele não é o mesmo de anos atrás. O nome dele era José, eu acho. Não, Josué.

— Um cappuccino, um expresso e uma porção de pão de queijo.

Os grãos de café recém moídos cheiram como o tipo de paz de que eu preciso agora. Só uma xícara de café forte. Mas não tenho certeza de que realmente vai me ajudar.

— Quer algum recheio extra? — Ele grita, acima do barulho da máquina de café.

— Não — respondo sem tirar os olhos da tela.

Aperto o celular com os dedos e leio novamente a mensagem.

Se lembra que Henrique me pediu para vir ao seminário do neto do amigo dele? Não foi tão rápido quanto achei que seria.

A resposta é não para isso também. Responder só vai deixar tudo mais complicado. Eu estou aqui, quando deveria estar lá e não tenho nenhuma justificativa. Embora isso tenha mais a ver com o fato de descumprir a minha promessa do que qualquer outra coisa. Encontrar Amanda e me lembrar do passado é outro sinal para evitar Carol. Minha consciência me diz que eu preciso esquecer tudo isso, foi um encontro inevitável e que faz diferença nenhuma. Estou com Carol, não tanto quanto queria estar, mas é ela e ninguém mais.

Com tequila e com amor [Concluído] [VENCEDOR DO WATTYS 2017]Where stories live. Discover now