Capítulo 17

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A escuridão. Ela me cerca e me consome. Quando abri os olhos me vi deitado. Olhei para cima e não vi nada além de escuridão. Olhei para um lado e para o outro, nada além de nada. Um vácuo. Sentei. Nesse momento um semi-círculo incandescente se formou ao meu redor. Levantei assustado. Um fogaréu se ergueu do chão e subiu acima de minha cabeça. Virei meu corpo para o lado oposto na esperança de fugir, mas para a minha surpresa um outro semi-círculo se fez e ergueu- se a minha frente na forma de um paredão de água. Eu estava preso no centro daquele enorme círculo de água e fogo. Os opostos juntos. Se fundindo. Exatamente do mesmo jeito que eu estava por dentro.

Planeta Terra. Brasil. Amazônia. Manaus. Floresta. Árvore. Uma serra corta o tronco da árvore. Depois de sua queda, com ajuda de uma máquina o tronco é colocando em um caminhão. O caminhão segue seu rumo por uma estrada de terra.

Eu estava preso na escuridão sem ter o que fazer e nem para onde correr. Estava sozinho, assustado. Fiquei dando voltas em torno de mim mesmo. Sentia no rosto os respingos da água e atrás de mim o calor das labaredas que se erguiam a mais de três metros de altura. Eu estava preso.

O caminhão que colheu o tronco da árvore segue para uma fábrica. O tronco passa por máquinas que cortam a madeira, a lixam e a transformam em compensados. Os compensados são colocados em outro caminhão e são levados para um outro estado do país.

Me ajoelhei no chão negro e olhei para cima. A água e o fogo no ponto que se encostavam,  transformavam-se em uma densa neblina que aos poucos começou a tomar o centro do círculo onde eu me encontrava. O barulho de cachoeira de um lado e o barulho de um incêndio de outro. E eu ali, estático. Sem saber o que fazer. Foi quando eu vi algo que me chamou atenção na água. Me levantei e cheguei mais perto daquela parede líquida que se erguia a minha frente. Tão alta quanto a parede de fogo. Através da água eu vi meus pais. Me vi criança. Me vi na escola. Me vi em um domingo qualquer na casa da minha avó. Me vi com meninas. Senti um aperto no peito.

Depois que o caminhão com os compensados de madeira chega na outra fábrica, eles são cortados em pedaços pré-determinados e lixados. Sobre a peça de madeira são coladas folhas de cerejeira. Depois dessa etapa a peça passa novamente por uma lixa e as rebarbas são limadas. Furos são feitos em pontos estratégicos.

Me virei e algo me chamou atenção na parede de fogo do lado oposto. Como se fosse uma enorme tela de cinema,vi refletido ali os meus momentos com Paulo na praia. Minha primeira experiência sexual gay. Me vi na chácara com Daniel e Marquinhos, me vi com meu professor, me vi. De um lado minha família dentro daquele mar de águas tranqüilas. Do outro lado no meio do fogo estava o desejo que me consumia mais e mais a cada dia.

Depois das peças furadas, começa a etapa de montagem. São utilizados pregos, porcas, parafusos, dobradiças e puxadores. Aos poucos aquele pedaço de madeira que um dia foi árvore vai se transformando em um mobiliário. Primeiro a base e as laterais são erguidas e fixadas, depois o fundo, o topo e por fim as portas.

Subitamente aquele mar de fogo e água se juntaram no alto e começaram a descer em espiral para dentro do círculo, em minha direção. Assustado, me afastei. Senti o chão tremer e ouvi o som ensurdecedor daquelas duas coisas se juntando e entrando dentro de um objeto que apareceu no chão sem eu notar.

A madeira dentre várias serventias, pode ser transformada em móveis. Um deles é o armário.

Quando a água e fogo desapareceram dentro daquele pequeno peça, eu fui ver o que era em passos lentos. E para a minha surpresa, eu estava diante de um pequeno armário em miniatura. As portas estavam fechadas. Era um armariozinho comum, feito de cerejeira. Abaixei e mesmo com medo, peguei o armário na mão. Senti o chão sob meus pés balançarem. Era como se fosse um terremoto. Lentamente levei minha mão até o puxador pequenino e mesmo com receio, abri a portinha. Meus olhos se arregalaram, meu queixo caiu. Dentro do armário eu vi uma miniatura minha, viva, segurando um armariozinho, dentro do armariozinho dele havia outro de mim e assim por diante. Era como se fosse um clone meu em miniatura que estava ali dentro. Fazendo o mesmo que eu estava fazendo. Foi quando o Fábiozinho de dentro do armário virou pra mim e me olhou com os olhos arregalados, boquiaberto.

2 HÉTEROS NUMA BALADA GLS (2016)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora