Capítulo 22

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Falsidade. Essa é a palavra que resume o mundo em que vivemos. Um mundo onde acordos são feitos com apertos de mãos, tapinhas nas costas e sorrisos amarelos. Uma receptividade calorosa, uma despedida sangrenta. Sorrisos na entrada, bombas na saída.

É a falsidade que impõe que você seja feliz dentro de uma redoma de valores, tradições e conceitos falidos. Por causa da falsidade somos obrigados a usar máscaras como se nossa vida fosse um baile. Não conhecemos ninguém, mas julgamos todo mundo. Sempre visando uma paz universal que nunca conseguiremos ter.

Vivemos em um mundo repleto de pessoas diferentes e por isso é impossível determinar que o que é bom pra um tem que ser bom para o outro. O que é certo pra um não necessariamente é certo para o outro. Quem disse que eu tenho que tomar sorvete só no verão? Quem foi que disse que ovo de páscoa eu só posso comer na páscoa? Quem determinou que a gente só dá presente para uma outra pessoa em datas comemorativas? Quem foi que disse que eu não posso tomar banho depois de comer? Quem foi que disse que eu não posso me apaixonar várias vezes na vida, mesmo estando em um relacionamento? A gente é movido por uma máquina de costumes arcaicos que aos poucos está se desmantelando e as máscaras estão caindo.

Os gays, por exemplo, sempre existiram. Entretanto, as pessoas teimam em querer achar que "hoje" as coisas estão muito mais explícitas. Bitch, please! Todos sabemos que isso não é verdade. Isso sempre existiu. O que acontece é que antes não havia meios para as pessoas se sentirem a vontade para demonstrar o que sentiam. A internet inegavelmente foi um divisor de águas para essa sociedade anônima que vivia camuflada sob a imagem de pessoas corretas e oprimidas sob o que a sociedade esperava que fossem. As pessoas acabaram se conhecendo e trocando experiências. A internet acabou sendo a melhor amiga de um gay enrustido.

Talvez seja fácil para as pessoas assumidas simplesmente saírem pra uma balada GLS, ir para um motel, drive-in, cinemão...mas para algumas pessoas isso ainda está muito distante. Embora exista a vontade, o medo de se arriscar e conhecer esse mundo impede que deixem aflorar aquilo que carregam preso no peito como um segredo eterno. Por conta disso são obrigados a vestir a máscara da falsidade e caminhar entre os outros como se fossem pessoas "normais". Beijam a namorada, fodem ela no dia dos namorados em um motel caro, mas quando estão em casa batem punheta lendo contos eróticos e vendo filme pornô gay. Tentam não olhar para outro cara na rua quando estão na companhia da namorada. E tentam ser os mais sociáveis possíveis com todos que é pra serem tachados como "o cara gente fina". Chegam até fazer piada de viado e xingar os gays para manter sua máscara intacta, grudada em seu rosto cicatrizado pelo preconceito que carrega de si próprio. Falsos! Eu talvez fosse o mais falso de todos.

Uma coisa que eu não queria era ser falso comigo mesmo. Eu estava chegando perto da loucura por conta de tudo o que estava acontecendo comigo. Um ato impensado foi ter topado descer para a praia no ano novo com Paulo. Por conta do tesão e pela falta de vergonha na cara acabamos transando mais de uma vez. Movido pelo desejo fiz algo que eu nunca sonhei fazer em minha vida, dei a bunda. Saciar um desejo tem um custo muito alto. Eu tinha certeza de que Paulo não iria largar a namorada para ficar comigo. Eu também não sabia se estava pronto para levar um relacionamento com um outro cara. Mas uma coisa eu tinha certeza, o meu envolvimento com os cuecas era algo de pele, de momento, de tesão. Jamais pensei em me assumir homossexual e viver tal como um. Eu queria formar uma família, mas eu queria saciar meus desejos de comer uma bundinha de moleque quando me desse na telha. Mas esse lance de bissexualismo não era pra mim. Eu não conseguia me ver envolvido com buceta e rola ao mesmo tempo. Eu não achava que fosse capaz de namorar uma mina e ficar de vez em quando com um cueca. Seria muita sacanagem com a mina e comigo mesmo. Eu tinha que escolher um lado. E escolhi um no final das contas, um que fez com que várias coisas na minha vida não passassem de doces e amargas lembranças.

2 HÉTEROS NUMA BALADA GLS (2016)Where stories live. Discover now