Capítulo Quatro

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Existem duas datas diferentes para um homem perder a sua virgindade: a idade em que diz aos seus amigos que perdeu e a idade em que perde de fato:

— Do que vocês estão falando? Eu não sou virgem! — Afirmei mentirosamente.

— Tudo bem, cara. — Bruno pousou a mão no meu ombro. — O Lucas também é virgem e não enxerga nenhum problema nisso.

— Pois é — Lucas concordou.

Tudo errado nessa conversa, pois tínhamos dois virgens agindo como se não fossem e um não-virgem afirmando ser parte do time dos virgens sem nenhum propósito.

— Cara, que demais! — Mateus parecia animado. — Você vai perder a virgindade com a Jéssica! Você deve ser a pessoa mais sortuda do mundo!

Minha cabeça disparou a trabalhar em ritmo frenético, demonstrando certo nervosismo.

Por um lado, eu nem ao menos conhecia a Jéssica direito, não sentia nada por ela e nem sabia nada sobre ela. Por outro lado, ela é linda. A forma como ela anda seduz, a forma como fala seduz, a forma como se veste seduz, só o simples fato de existir já seduz.

Durante o meu devaneio, ouço uma voz:

— Pessoal! Poderiam olhar para "cá" um minutinho? Obrigada! 

Era a própria Jéssica, a aniversariante da noite, que subiu em cima de um palco improvisado e estava pedindo atenção de todos para dizer algo. Normalmente, uma pessoa como ela não precisa pedir a atenção mais de uma vez:

— Primeiramente, eu gostaria muito de agradecer a cada um de vocês que vieram essa noite. Estou grata de verdade!

Todos bateram palmas e gritaram. Um grupo de garotos muito bêbados fez um estardalhaço do canto onde estava. Quando o silêncio voltou, Jéssica começou um longo discurso, falso e superficial, que provavelmente só serviria para aumentar a sua popularidade.

Eu não estava ouvindo uma única palavra do que dizia, até que...

— E como vocês sabem... Aqui na festa se encontra o nosso artilheiro do time de futebol da escola! Um astro!

Mais gritos, principalmente das pessoas que faziam parte do time.

— Eu queria que ele subisse aqui comigo. Cadê ele? Ick, cadê você?

Todos olharam para os lados me procurando. Uma vez que eu não tinha a menor vontade de ser encontrado, não me pronunciei. Obviamente, de nada adiantou. Logo, fui empurrado pela multidão a contragosto e, quando me dei conta, já estava no palco. Ela segurou o meu braço como se fosse a primeira dama e eu o presidente.

O presidente em questão não estava nem um pouco confortável.

De cima do palco, enxerguei algo estranho.

Um grupo de garotos fortes forçava três meninos menores a entrarem no armário de troféus do boliche.

O armário parecia um closet, para dentro da parede com portas de vidro que exibiam os prêmios e três garotos que tremiam de medo.

Os bêbados mais velhos que faziam isso pareciam se divertir, como se aquela cena fosse, de alguma forma, engraçada.

Cutuquei Jéssica e mostrei para ela o que estava acontecendo, falando baixo para que apenas ela pudesse ouvir. Jéssica olhou na direção em que eu apontei, sorriu para mim e voltou a tagarelar.

— Jéssica — insisti, ainda falando baixo. — Eles vão prender os garotos dentro do armário de troféus!

— É, Ick, eu vi.

— Não vai fazer nada?

— Não posso começar a rir aqui na frente de todo mundo...

— Rir? — Fiquei indignado. — Como você pode rir?

— É só uma brincadeira, Ick.

— Não é uma brincadeira! É uma humilhação!

— Fique tranquilo. Eles não vão fazer nada com você...

— Não é comigo que estou preocupado.

— E desde quando alguém se preocupa com os esquisitos???

— Não são esquisitos! São pessoas.

— São bobões. Eles estão acostumados com isso!

— EU NÃO ESTOU ACOSTUMADO COM ISSO!

A essa altura, todos já haviam percebido os nossos cochichos exaltados e nos observavam apreensivos. Provavelmente achando que se tratava de uma discussão de casal.

Não pude acreditar naquela situação. Não pude acreditar que, de alguma forma, alguém considerasse normal.

Quanto oxigênio existe dentro daquela redoma de vidro?

Tio Otávio me disse uma vez, que se você pensa que alguém deve fazer algo, você deve fazer algo. É sua obrigação.

Eu fiz.

Desci do palco com um pulo só e toda a raiva bombando dentro de mim bombando.

Toda minha indignação vazando em meus poros.

Acho que os meus olhos fumegavam expressando bem o que eu sentia, porque enquanto andava a passos largos e firmes em direção ao armário, todos na festa abriam caminho.

Tinha ciência de que todos os olhos estavam voltados para mim e não me importava.

Enquanto andava reto em direção ao armário, encontrei um pedestal, normalmente usado para pôr a faixa que impede a passagem das pessoas para a área administrativa. Peguei um desses sem nem ao menos parar o trajeto. Era bem pesado. O suficiente.

— ICK!!! — gritou a Jéssica — O QUE VOCÊ VAI FAZER?

Com toda a raiva reunida, bati com o pedestal na porta do armário onde os garotos estavam presos. Com um estrondo a porta se partiu em mil pedaços que caíram emitindo um som semelhante ao da chuva.

O silêncio das pessoas ao meu redor só serviu para fazer o barulho parecer ainda mais alto.

Quanto custava aquele armário? Cem mil? Não importa! O pai da Jéssica tem dinheiro o suficiente para comprar essa cidade e a dignidade das pessoas que moram nela, pode muito bem pagar por um armário.

Os garotos foram descendo de suas "prisões" timidamente. Eles me agradeciam falando baixo, como se estivessem fazendo algo errado.

— SEU LOUCO! O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO? — Jéssica gritou — ALGUÉM PARE ESSE MALUCO!

Um ou dois fizeram menção de vir para cima de mim, mas logo desistiram. Eu nunca fui o garoto mais fraco do colégio e estava com um pedestal bem pesado em mãos.

— ICK — ela continuou gritando — POR QUE VOCÊ FEZ ISSO?

Silêncio. Todos olharam para mim. Respondi:

— Porque não sou igual a vocês!

E me retirei.

***

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A VIDA DESENCAIXADA DE ICK FERNANDES (história completa)Where stories live. Discover now