Capítulo Quarenta e Dois

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— Pai! — Exclamei surpreso. — Pensei que você não estava em casa... Eu... Eu... — Eu o quê? Simplesmente não tinha palavras. O branco predominava em minha mente e o medo me congelava.

— Isso tudo é verdade? — Perguntou.

 — Sim. — Àquela altura não havia mais por que mentir.

— Engraçado você ter citado o seu tio. — Eu não havia falado o nome do Otávio, ele presumira isso sozinho. — Vocês eram muito apegados. De fato, você se parece muito mais com ele do que comigo.

Era a mais pura verdade.

— Eu nunca o entendi, deve ser por isso que vivíamos brigando. 

Pela primeira vez, meu pai estava falando abertamente comigo, todo o resto poderia ficar para depois.

— Mas ele era um homem bom. Um homem de verdade, digno. Eu também nunca entendi você, meu filho, nunca. Desde que você começou a falar, desde muito cedo, já pude perceber que seria um filho diferente do que eu sempre pensei que seria. Talvez nunca te entenda... Sou apenas um homem velho.

Ele se aproximou de mim, colocou as duas mãos em meus ombros, (suas mãos são muito calejadas, as minhas são lisas e finas).

            — Não importa. Mesmo não te entendendo, eu sei que criei um homem de verdade! Tenho muito orgulho do que você é agora. — Nossos olhos estavam secos e sérios, mas havia uma sensação de choro silencioso no ar. — Você está levando o celular, não está? Se acontecer qualquer coisa, me ligue. Eu te dou cobertura. Inventarei algo para contar à sua mãe ou ela terá um treco.

            — SR. JOSUÉ! — Jéssica exclamou em voz alta, perplexa com tudo aquilo. — Como pode?!

            Eu não falei nada, não encontrei nada para falar. Apenas o abracei o mais forte que pude. Nem me lembrava mais qual fora a última vez que tínhamos nos abraçado.

            Jéssica me acompanhou no trajeto de volta ao salão onde Katsu me esperava junto ao seu carro que atraía olhares. No meio do caminho, ela disse:

            — Eu vou junto com você.

            — O quê?

            — É o que você ouviu. Eu vou junto com você. Se você vai se meter nessa loucura, eu quero estar presente.

            — Jéssica, eu sei me cuidar sozinho. Além do mais, você está grávida! Tem que ficar de repouso e...

            — Se eu não for, contarei tudo para a sua mãe! — Parei de andar e olhei para trás. — Não sei que história o seu pai vai contar, mas sei que, com certeza, ela não será mais convincente do que a verdade.

            Tentei argumentar, mas quando vi os seus olhos logo percebi que seria em vão. Ela estava usando aquele tom decidido e venenoso de novo, tom que antes usava com frequência e agora reservara para situações extremas. Quando Jéssica está assim, não faz diferença argumentar ou não:

            — Tudo bem, então. — Respondi. — Se o Katsu concordar, você vem.

            — Ele tem que concordar.

            Ele concordou.

A VIDA DESENCAIXADA DE ICK FERNANDES (história completa)Where stories live. Discover now