Capítulo Quarenta e Cinco

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            — Ouviu isso, Ick? — Disse Samaris, sorrindo, se atirando em meus braços. — Eu sou a melhor que você poderia encontrar.

            — Eu já sabia disso há muito tempo. — O que para ela parecia uma piada, para mim era a mais pura verdade.

            Mais tarde, Samaris me mostrou a sua (enorme) casa. Ela nunca mencionava os lustres gigantes ou as televisões modernas que volta e meia apareciam, mas conseguia me mostrar uma lasca na parede que havia feito aos quatro anos de idade e ainda se lembrar de como fizera isso, ela foi uma criança muito arteira.

            No quintal, havia grandes jardins, com grandes chafarizes. Apenas uma volta caminhando naquele quintal fora o suficiente para nos deixar cansados, eu me sentei encostado em uma cerca e ela se sentou no meu colo e descansou sua cabeça no meu peito, o clima estava calmo e sereno.

            — Samaris.

            — Diga. — Ela estava de olhos fechados, quase dormindo em meu peito.

             — Você sabe que o Katsu me trouxe aqui por um motivo.

            — Eu sei, mas não consigo ficar.

            Essas palavras soaram como facas no meu estômago.

            — Katsu diz que posso estar sofrendo com uma espécie de transtorno pós-traumático, depois da morte dos meus pais.

            — Também acho. Nesse caso, pode ser que uma psicóloga te ajude.

            — Você acha mesmo?

            — Acho. Samaris, já pensou que bom seria se você ficasse? No futuro, poderíamos construir uma casinha para morarmos juntos.

            — Não muito grande, né? — Ela quase dormia nos meus braços, com a cabeça encostada em meu peito. Minha mão fazia movimentos circulares em sua perna, que se encolhia sobre mim. — Não gosto muito de casas grandes.

            — Ela não precisa ser grande. — Sentados naquele jardim, protegidos na sombra contra o sol forte, o sono logo se abatia sobre nós. Não dormimos, ao invés disso ficamos sonolentos, de olhos fechados, apenas sentindo um ao outro. Brincando de inventar o futuro. — Podemos botar uma cerca branca em volta dela.

            — A cerca branca e a casa azul.

            — Com um quartinho para você fazer os seus concertos para nós.

            — Nós?

            — Eu e os filhos.

            — Eu quero ter seis.

            — Tudo isso?

            — Isso para começar.

            Risos.

            — Teremos quantos forem necessários. Todos aprenderão a tocar algum instrumento.

            — Um instrumento diferente cada um. Eles poderiam formar uma banda.

            — Tipo os Jackson 5?

            Mais risos, o clima estava tão leve. Tudo era como antes.

            O sono batia cada vez mais forte, as minhas pálpebras estavam pesadas, lutar contra o sono estava se tornando algo impossível.

            — Pode dormir, Ick. — Disse Samaris, em voz igualmente sonolenta.

            — Você ainda estará aqui quando eu acordar? — Ela pensou um pouco antes de responder:

            — Não sei. Mas quero estar. — Pegou os meus braços e me fez abraçá-la da forma mais apertada possível. — Não me deixa ir.

            — Não deixarei.

            Ao horizonte, se iniciava o crepúsculo. Um mar de cores pintava o céu, numa flexibilidade de tonalidades impressionante.

            — Esse deve ser o pôr-do-sol mais lindo que já vi em toda a minha vida. — Disse baixinho.

           — Posso dizer uma verdade cafona? — Samaris perguntou sorrindo.

            — Claro.

            — Acho que todos os crepúsculos que eu passar em seus braços serão lindos que nem esse.

            Nós somos os responsáveis pela beleza do crepúsculo que vemos ao final de cada dia.

            E então dormi.

A VIDA DESENCAIXADA DE ICK FERNANDES (história completa)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora