Capítulo Trinta e Seis

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Não sei quantos minutos fiquei ali deitado no chão, talvez dez, talvez vinte, só queria me recuperar fisicamente, me recuperar da humilhação. Depois de um tempo, me senti apto a levantar, me ergui com os braços e senti uma pontada na costela que fez os meus olhos marejarem. Estava com muito receio de tê-la quebrado.

            Ouvi o barulho de um carro brecando logo atrás de mim, já estava receoso por mais más notícias:

            — Ei! Garoto, você está bem?

            Olhei para trás e avistei dois policiais, chegaram provavelmente com meia hora de atraso do ideal.

            — Fui assaltado. — Respondi sentindo a minha costela latejar. Um dos policiais olhou para as ruas à frente, como se procurasse alguém.

            — Faz quanto tempo isso? Você pode reconhecer o rosto deles?

            — Eles já devem estar longe uma hora dessas.

            — Ok. Venha, entre no carro, te levaremos até o hospital.

            Enquanto entrava na viatura, vi de relance um livro jogado no chão. Rasgado e amassado, lá repousava uma obra de Clarice Lispector que nunca cheguei a dar de presente para a minha hóspede.

            Por fim, não tinha nenhum ferimento grave, nem mesmo com a minha costela, apenas coloquei algumas ataduras. Minha mãe obviamente tomara um susto ao ver o seu filho chegando em casa completamente machucado, escoltado pela polícia. Contei-lhe a versão do assalto e depois de muita insistência, os convenci de que não era necessário fazer uma ocorrência. Subi para o meu quarto ansioso por um banho.

            Sentia cada corte e vergão à medida que a água ia descendo pelo corpo, minha costela havia parado de latejar, mas ainda sentia dificuldade para respirar, não conseguia assimilar tudo o que havia acontecido, aliás, não consigo assimilar nada do que aconteceu por volta dos últimos cinco meses.

            Contar para a Jéssica o ocorrido foi a parte mais difícil. Havia pensado em mentir e contar a versão do assalto para ela também, para poupá-la do estresse desnecessário, contudo acabei optando pela verdade. Ela ficou atônita olhando para mim como se não acreditasse no que ouvia. Por fim, sem fazer maiores comentários, foi até a cozinha e pegou um kit de primeiros socorros para trocar as minhas ataduras.

            No dia seguinte, acordei no horário habitual de ir à escola, mas não encontrei Jéssica na cozinha tomando a sua xícara de café como sempre (ela não come mais de manhã devido aos enjoos). Também não a encontrei no quarto. Uma onda de preocupação perpassou a minha cabeça e não consegui me livrar da horrível sensação de déjà-vu.

            No corredor encontrei a minha mãe carregando uma pilha de roupas para passar:

            — Mãe. Você viu a Jéssica hoje?

            — Ela saiu cedo. — Respondeu. — Avisou que iria voltar mais tarde hoje, mas não disse para onde foi.

            — E você não perguntou?

            — Não é da minha conta, Ick. Lembre-se que ela é só a nossa hóspede. — Onde ela poderia ter ido?

            Jéssica não apareceu durante todo o período de aula. Poucas pessoas sentiam a sua falta, pois nos últimos meses a sua frequência escolar havia caído consideravelmente, essa era uma preocupação particular minha.

A VIDA DESENCAIXADA DE ICK FERNANDES (história completa)Where stories live. Discover now