Capítulo Nove

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  • Dedicated to Raíssa Tayná Klasman
                                    

O que é amor? Eu tenho a coragem de assumir que não sei o que é exatamente. Muitos pensam que sabem, mas é possível enxergar de longe que estão enganados. Tenho algumas pistas do que não é o amor. Eu sei que o amor NÃO é aquilo que aparece nesses relacionamentos estranhos aos quais as pessoas se submetem cada vez mais cedo. O amor NÃO é aquela coisa de cinema em que as complicações ocorrem por poucos segundos, sucedidas de um "felizes para sempre".

Meu professor de biologia causou tumulto na sala ao dizer que o amor é uma invenção da mente humana para explicar a atração que sentimos pelo sexo oposto instintivamente e exclusivamente para a perpetuação da espécie.

Nesse dia, garotos morreram de dar gargalhadas e meninas gritaram algo como: "Como você pode ser tão sem coração?". Algumas, até em um berro levemente choroso.

Não penso que o professor esteja de todo errado, o amor pode ser uma criação humana, mas isso não precisa torná-lo necessariamente menos real. Ainda não sei ao certo dizer o que é amor, mas já concluí que é a melhor invenção humana de todos os tempos.

Se por um lado eu não sei ao certo o que é amor, por outro descobri exatamente como é o ódio só de ver o olhar da Jéssica quando a encontrei na escola no dia seguinte. Passando pelo corredor, avistei de longe, se aproximando com as suas mechas loiras balançando ao vento e sua roupa azul celeste. Sempre acompanhada de suas duas amigas-clones, uma em cada lado, imitando o seu jeito de andar, utilizando o corredor como uma verdadeira passarela. Às vezes me pergunto sobre como elas não tropeçam por andar com a cabeça tão erguida dessa forma.

Mesmo com o nariz apontado para o teto, Jéssica notou a minha presença. Por um segundo nossos olhos se encontraram, pude sentir a raiva e a frustração presentes naqueles olhos claros; cheguei a imaginar que ela pularia no meu pescoço e fosse torcê-lo até a morte, pensei que sacaria uma arma de dentro da sua bolsa de grife e daria catorze disparos em minha direção.

Jéssica não fez nada disso. Apenas me presenteou com o seu melhor olhar de desprezo e juntou toda a dignidade que ainda lhe restara para continuar andando de cabeça erguida. Preciso admitir: Jéssica nunca perde a compostura.

Encontrei olhares estranhos durante todo o período de aula. Olhares de raiva, admiração, até me arrisco a dizer que encontrei alguns de medo. Parecia que em todos os cantos havia alguém cochichando e apontando para mim. Sem dúvidas, as notícias voam.

— Cara, o que aconteceu? — Mateus perguntou durante a aula de geografia. — O que diabos passou na sua cabeça naquele momento??

— Você viu o que estavam fazendo? Aqueles caras?

— Vi sim, mas... — Parou de falar subitamente, por perceber que eu levava aquela situação a sério. Preferiu iniciar outra linha de raciocínio. — E a Jéssica? Como ficou entre vocês?

— Não ficou — respondi — Ela não quer me ver na frente dela nem pintado de ouro.

— Putz, cara. — Mateus parecia bem mais frustrado com isso do que eu. —Você perdeu uma chance de ouro.

Eu não concordo e não o culpo por pensar assim. Afinal, não contei sobre a Samaris, nem sobre como me senti, nem como sou grato por ter saído mais cedo da festa.

Na hora de voltar para casa, um garoto gordinho e baixinho parou na minha frente impedindo minha passagem.

— Posso te ajudar? — perguntei a ele.

— Eu só... Bom. — por algum motivo, ele não olhava para o meu rosto. — Eu só queria agradecer por ontem.

Foi então que me lembrei, o garoto estava no meio do grupo de presos dentro do armário de troféus.

— Se eu puder fazer alguma coisa, mas qualquer coisa mesmo, para retribuir isso eu farei. É só falar.

— Que isso, cara. Só me faz um favor.

— Pode falar, qualquer coisa.

— Tente nunca se tornar alguém igual a eles.

A VIDA DESENCAIXADA DE ICK FERNANDES (história completa)Where stories live. Discover now